O presidencialismo de coalizão passa por sua maior crise desde o início da Nova República. Num primeiro momento, tal afirmação pode soar como exagero, principalmente quando se recorda os impeachments de dois presidentes por falta de apoio parlamentar. Há de se considerar, porém, que a falta de traquejo político dos governantes com o Congresso foi determinante para a queda de ambos em momentos em que o custo da governabilidade era bem menos inflacionado. Até alguns anos atrás a distribuição de cargos e liberação de emendas orçamentárias individuais eram suficientes para garantir maiorias.
A oneração do apoio parlamentar decorre de um processo contínuo de empoderamento do Legislativo, que combina mudanças em regras decisórias e controle progressivo sobre verbas do Orçamento da União. O ápice desse processo se deu com a criação da dotação RP9, que ficou conhecida como “emendas de relator” e foram extintas posteriormente por decisão Supremo Tribunal Federal, mas deixaram como legado a pressão constante pela liberação de verbas extras. Além das emendas individuais, que se tornaram impositivas a partir de 2015, os congressistas passaram a dispor de mais algumas dezenas de milhões de reais anuais de outras rubricas.
Com o fim da RP9, passou-se a discutir nos bastidores a recriação de algum mecanismo que possa garantir nova fatia de recursos orçamentários. A ideia de momento é a instituição de uma programação a ser distribuída com base no tamanho dos partidos, já alardeada como “emendas de liderança”. Nesse modelo, o líder de cada bancada ficaria responsável pela divisão dos recursos entre seus correligionários. O pagamento dessas emendas também seria de caráter obrigatório.
A partir dessa nova realidade a relação entre Executivo e Legislativo vem se alterando profundamente. Nem só com cargos e verbas esses dois poderes transacionam. As práticas de convivência também se modificam. Por exemplo, as medidas provisórias, que constituem o principal instrumento de ação governativa de que dispõe um presidente da República, vêm tendo uma menor recorrência em detrimento de projetos de lei por imposição do Congresso. Outro aspecto dessa relação é o exercício de um papel ainda mais ativo na conformação das políticas públicas. O elevado nível de autonomia dos parlamentares requer maior esforço de negociação e diálogo por parte da articulação política palaciana na análise das matérias de interesse do governo. Contudo, quando não contemplados os interesses dos grupos, o governo sofre retaliações que vão desde a convocação de ministros à paralisia da agenda legislativa.
É lícito e salutar que, observados critérios republicanos, o parlamento possa alocar recursos do orçamento nacional, descentralizando a execução e levando os olhos do Estado a rincões onde a burocracia de Brasília não consegue enxergar. Da mesma forma, é de bom alvitre que o Legislativo participe da gestão pública por meio da ocupação de espaços de poder na estrutura administrativa. Entretanto, em função de sua hipertrofia ocasional não se pode pretender suplantar o Executivo, independentemente de quem seja o titular e a ideologia de turno.
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Nas circunstâncias atuais nenhum governo consegue edificar um núcleo de apoio consistente, visto que o vínculo não é construído em bases programáticas, mas alicerçado no atendimento de demandas de facções parlamentares. Embora o presidencialismo de coalizão conceitualmente implique numa relação de trocas movida a incentivos governamentais, esse modelo caminha a passos largos para completo desvirtuamento, a ponto de se excluir do termo a palavra presidencialismo.