Início » Fujam para as colinas

Fujam para as colinas

A+A-
Reset
ArtigosDestaque

O presidente Lula parece destreinado para as articulações

O slogan “O Brasil voltou” é uma atitude nostálgica de um país que ainda não foi (Thomas COEX/AFP)

Chega a ser insuportavelmente aborrecido assistir à cena política brasileira, com seu enredo mambembe de desencontros políticos. Sobretudo por estar escrito há séculos — como diria Nelson Rodrigues — que o governo Lula 3 enfrentaria sérias dificuldades, pelo simples fato de que não existe maioria governista estável nem unidade no Poder Executivo, muito menos software para governar.

Pouco antes do fatídico 8 de Janeiro, escrevi que as narrativas do novo governo buscavam uma retropia que desembocava em retroprojetos. Quatro meses depois, as narrativas e as atitudes confirmam a busca pelo conforto em um passado que não existiu. O slogan “O Brasil voltou” é uma atitude nostálgica de um país que ainda não foi. Assim como as iniciativas que tentam remendar o passado.

Podemos fazer algumas analogias entre o atual momento político e a situação de Napoleão em Waterloo. Lula tem pela frente uma batalha decisiva para o futuro do seu governo: aprovar o marco fiscal e as fontes de financiamento. Uma derrota poderá ser fatal para a estabilidade política e econômica do país e, consequentemente, para o futuro do governo. Porém, tal qual Napoleão, o presidente parece destreinado para as articulações. Afastado dos acontecimentos por conta do exílio na ilha de Elba, Napoleão não preparou adequadamente a sua tropa.

“Há uma mistura de ignorância, arrogância e incompetência que acaba retardando as chances de sucesso”

A tropa política de Lula, como as de Napoleão, está desunida e descoordenada. Napoleão fez uma leitura errada do cenário de batalha e ordenou uma carga de cavalaria sem proteger adequadamente seus flancos. Lula questiona a privatização da Eletrobras, ataca a autonomia do Banco Central e desafia o marco do saneamento sem a devida sustentação política.

Com tudo para dar certo pela existência de uma ampla agenda de consenso, o governo está na Série A, mas joga na várzea. Há uma mistura de ignorância, arrogância e incompetência que acaba retardando as chances de sucesso. Assim, para os agentes econômicos, as melhores expectativas de hoje foram sintetizadas nas seguintes palavras do presidente da Câmara, o deputado Arthur Lira (PP-­AL): “A principal reforma que o Congresso Nacional pode defender é o não retrocesso em medidas já aprovadas”.

Ora, se o melhor cenário é evitar o retrocesso proposto nas narrativas do governo, qual seria o cenário provável? Uns diriam que seria a “argentinização” do Brasil, o que, embora possível, é altamente improvável. Apesar da nossa vocação para o erro, o sistema institucional brasileiro é muito melhor que o do nosso vizinho. Se o cenário portenho é improvável, o que devemos considerar?

Provavelmente, teremos um cenário de impasses e de pequenos avanços. Viveremos uma espécie de guerra de trincheira na qual nem o governo avança em sua agenda revisionista nem o Congresso avança na agenda reformista. O marco fiscal, dada a relevância para a estabilidade do país, deve ser aprovado, mas terá aspectos que certamente desagradarão ao governo e, em especial, a seus setores mais ideológicos. O belo do incerto nesse caso é que, ao contrário de Napoleão, que estava fadado ao fracasso, Lula ainda pode reinventar seu governo e ganhar o seu Waterloo. Enquanto isso, corram para as colinas para defender as reformas.

Publicado em 13 Maio de 2023

 

 

Usamos cookies para aprimorar sua experiência de navegação. Ao clicar em "Aceitar", você concorda com o uso de cookies. Aceitar Saiba mais