Início » Expectativas nebulosas

Expectativas nebulosas

A+A-
Reset
ArtigosDestaque

Desde a eleição de Lula para a Presidência da República, os agentes econômicos vivem expectativas ambíguas. Constatei esse clima ao longo de dezenas de conversas com investidores brasileiros e estrangeiros, tanto empresários quanto agentes do mercado financeiro.

Após ser sabatinado sobre as perspectivas para o Brasil, inverti a ordem das coisas. Comecei a indagar a razão das desconfianças que resultam em pontos de potencial perigo, na conjuntura nacional. Basicamente, três aspectos preocupam. O primeiro é o temor de que houvesse uma ruptura da ordem institucional. Os atos de vandalismo ocorridos em 8 de janeiro em Brasília, revelando uma mistura de omissão, incompetência e delírio, mostraram o risco do que poderia acontecer.

O segundo temor é o de que a política econômica, conforme a análise das narrativas do presidente, seja retrógrada, anti-investimento, estatizante, intervencionista e corporativista e que ocorra a volta do capitalismo de laços.

As notícias sobre ações para inviabilizar privatizações em curso e planejadas, como a do Porto de Santos, também preocupam.

“O que choca os investidores é a insistência em tratar o mercado como uma espécie de vilão sem alma”

O terceiro temor é o de que a mistura de apoios políticos, o tamanho excessivo do ministério, com 37 ocupantes, e, por fim, a complexidade da gestão política tirem do governo a capacidade de propor uma agenda, para além de repetir chavões, palavras de ordem e propostas de outrora.

O que mais choca os investidores experientes, porém, é a insistência em considerar o mercado uma espécie de vilão sem alma, como disse o próprio presidente. Como se os problemas do Brasil fossem causados pelo mercado. Para a maioria, esse tipo de declaração indica um primário desconhecimento do que seja a economia real. Para poucos, seria uma narrativa propositalmente desestabilizadora e orientadora de uma visão intervencionista, o que é considerado ainda pior.

O pacote do ministro Fernando Haddad, em que pese a boa narrativa do corte fiscal, pareceu tímido. Tampouco foi previamente negociado com o Congresso Nacional, que, às voltas com as eleições dos presidentes das duas Casas, não se pronunciou enfaticamente sobre, por exemplo, a volta do “voto de qualidade” no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).

Enfim, passados quase três meses da eleição do novo presidente, a melhora nas expectativas econômicas teima em não acontecer. A barbárie cometida por bolsonaristas radicais nos palácios da Praça dos Três Poderes deu a Lula e a seu governo uma narrativa afirmativa que, contudo, tem prazo de validade. O uso da defesa da democracia como uma espécie de curinga não se sustentará se o governo não começar a entregar propostas, projetos e resultados.

Assim, enquanto as expectativas continuarem nebulosas, os investimentos prosseguirão tímidos e aquém de nossas necessidades. O passado ensina que sem a vitalidade do setor privado não se consegue expandir a economia nem reduzir a desigualdade. Até agora, no entanto, não houve nenhuma notícia positiva no campo econômico vinda do governo que possa despertar o otimismo nos agentes econômicos.
Publicado em VEJA de 25 de janeiro de 2023, edição nº 2825

Usamos cookies para aprimorar sua experiência de navegação. Ao clicar em "Aceitar", você concorda com o uso de cookies. Aceitar Saiba mais