Na eleição presidencial norte-americana de 1992, quando Bill Clinton derrotou George H.W. Bush, James Carville, o marqueteiro de Clinton, sintetizou o resultado daquele pleito através da célebre frase “It’s the economy, stupid”.
No pleito de 1992, mesmo com o então presidente George H.W. Bush tendo sua atuação aprovada pela maioria dos eleitores após a invasão do Iraque, a campanha de Clinton, comandada por Carville, apostou na pauta econômica, explorando a recessão da economia norte-americana como narrativa, e foi bem-sucedido.
Desde então, a economia passou a ser o principal paradigma explicativo para o sucesso e fracasso eleitoral dos governos nos mais diferentes países. Segundo essa premissa, os presidentes que conduzem países em que a economia vai bem possuem uma maior chance de serem reeleitos ou fazerem o sucessor. Por outro lado, em países onde a economia tem um desempenho regular ou ruim, diminuem as chances de sucesso eleitoral dos incumbentes.
Essa relação entre bom desempenho econômico e sucesso político-eleitoral está ancorada na teoria da escolha racional, do economista Anthony Downs que, em 1957, escreveu a clássica obra “Uma Teoria Econômica da Democracia”.
Consumidor
Nesse livro, Downs realiza uma análise da racionalidade econômica do voto. Segundo Downs, os indivíduos agem racionalmente reproduzindo no mercado eleitoral o comportamento do mercado econômico. Na perspectiva racional, o cidadão é comparado a um consumidor calculista e racional, que busca a maximização dos seus interesses.
Preponderante no campo da Ciência Política durante um longo período, a teoria da escolha racional tem sido relativizada. Em um artigo publicado recentemente no Financial Times, o chefe de dados do jornal, John Burn-Murdoch apontou a existência de uma desconexão entre a melhora do cenário econômico nos Estados Unidos e a popularidade do presidente Joe Biden, que não cresceu nos últimos 18 meses. De acordo com Burn-Murdoch, mesmo que os norte-americanos enxerguem uma melhora na economia, eles não estão dando créditos a Biden por isso.
Conforme aponta John Burn-Murdoch, esse fenômeno não é novo na política norte-americana. Em 2019, os cientistas políticos John Sides, Michael Tesler e Lynn Vavreck identificaram no livro “Identity Crises: The 2016 Presidential Campaign and the Battle for the Meaning of America” que a taxa de aprovação do então presidente Barack Obama caiu em meio ao sentimento de melhora da economia durante seu governo.
Tendências na economia
Para Burn-Murdoch vivemos a era do “não é mais a economia, estúpido”. Segundo ele, isso está ligado a natureza partidária norte-americana. Hoje, os democratas e republicanos estão mais divididos. Diante desta divisão partidária mais nítida, é difícil que as tendências econômicas movam as pessoas de um campo político para o outro.
Sides, Tesler e Vavreck, em outra obra sobre eleições nos Estados Unidos, intitulada “The Bitter End: The 2020 Presidential Campaign and the Challenge to American Democracy”, afirmam que as eleições de 2020 apenas exacerbaram as divisões existentes há anos nos Estados Unidos.
Segundo eles, não faz mais sentido explicar o cenário político norte-americano utilizando o termo polarização, que teria se tornado genérico. Para Sides, Tesler e Vavreck , o termo mais adequado para explicar o cenário atual é a calcificação.
E essa calcificação nasce por conta de três fatores nos Estados Unidos: 1) os partidos estão ideologicamente mais distantes; 2) os eleitores democratas têm poucas divergências entre si – o mesmo ocorre com os republicanos; 3) os conflitos políticos estão mais centrados em temas identitários.
Como consequência, a política fica mais “presa”, gerando poucas oscilações em termos de avaliação dos governos e preferências eleitorais, e explosiva, já que as divergências são maiores que os consensos.
Comportamento eleitoral
Para a compreensão do atual cenário, outras teorias explicativas do voto como, por exemplo, as perspectivas sociológicas e a psicossociológica também nos ajudam na compreensão dos fenômenos políticos.
A teoria sociológica, surgida, em 1930, nos Estados Unidos, na Universidade de Columbia, entende que o processo de tomada de decisão está vinculado diretamente aos grupos sociais em que os indivíduos pertencem. A teoria psicossociológica, por sua vez, aborda como os mapas cognitivos criados a partir de mecanismos de sociabilidade influenciam o comportamento eleitoral. Essa perspectiva surgiu, também nos Estados Unidos, a partir de 1964, na Universidade de Michigan.
Mesmo que após 1970 a teoria da escolha racional tenha sido preponderante nos estudos de comportamento eleitoral, a combinação de fatores como a crise do capitalismo de 2008 e da democracia liberal; a ascensão da extrema-direita e dos identitarismos; as revoluções tecnológicas; e a calcificação das preferências eleitorais, tornaram o processo político mais complexo. Assim, a perspectiva racionalista e a explicação It’s the economy, stupid; de James Carville, isoladamente, parecem ter se tornado insuficientes para explicar o comportamento dos indivíduos no mercado político.
Autor do clássico livro “O Cérebro Político”, de 2008, o psicólogo Drew Westen entende que “o cérebro político é um cérebro emocional. Não é uma máquina de calcular desapaixonada, que pesquisa fatos concretos, número e políticas objetivamente, a fim de tomar uma decisão sensata”. Segundo Westen, desde a eleição de Richard Nixon, os estrategistas republicanos reconhecem que a intenção emocional é que pavimenta o caminho para a vitória.
Decisão dos eleitores
No Brasil, em que vivemos a chamada polarização calcificada, termo cunhado pelo cientista político Felipe Nunes e o jornalista Thomas Traumann, na obra Biografia do Abismo”, a ideologia, a afetividade e a emoção são variáveis que adquirem cada vez mais peso no processo de tomada de decisão dos eleitores.
Mesmo que Brasil e Estados Unidos sejam países com realidades políticas, sociais e econômicas distintas, a calcificação da disputa entre democratas e republicanos nos Estados Unidos guarda semelhança no Brasil com os embates do lulismo contra o bolsonarismo. Aqui, assim como lá, a explicação do processo político-eleitoral ancorado apenas na perspectiva racional perde peso. Ao contrário do que muitos observadores do cenário político acreditam, a conjuntura brasileira tem se tornado menos racionalista e mais afetiva e emocional. Neste ambiente, simplificações da política como “é a economia, estúpido” não são mais suficientes para explicar o sucesso ou fracasso dos governantes.