O presidente Joe Biden tem se provado resistente aos argumentos apresentados por aliados e congressistas democratas no cenário político americano pós-debate. A leitura imediata pós-atentado, um evento surpreendente e triste (ainda que recorrente), é que o fato mudou, momentaneamente, o foco da macro-discussão. Por uma breve janela de tempo, a idade e a capacidade cognitiva de Biden não foram centro das atenções. Biden esteve mais presente, falou em rede nacional várias vezes. Falou sobre a necessidade de “reduzir a temperatura” da política. A mensagem mudou.
A mensagem e o comportamento de Trump também parecem ter mudado. Ele deu uma moderada na fórmula do seu Trumpismo no pós-debate e tudo indica que continuará assim no pós-atentado. O fato é que as imagens fortes do atentado contra Trump, imbuídas de uma certa poesia cinematográfica, pavimentaram o caminho para o momento rockstar de Trump na RNC (convenção do partido republicano). Ele está no spotlight. Trump é o protagonista atual.
Biden está isolado, condição na qual já se encontrava, metaforicamente. Agora está isolado literalmente, após diagnóstico de COVID. Os rumores que circulam indicam que Biden poderá sucumbir à pressão de aliados, mas principalmente de grandes doadores de recursos partidários/eleitorais. A pressão é uma mensagem simples: os doadores não acreditam que ele é capaz de vencer. Não acreditam que ele consegue reverter a percepção sobre sua capacidade cognitiva. Dificilmente ele seria capaz de demonstrar energia, entusiasmo e acuidade suficientes para reverter as percepções, estas já praticamente cristalizadas sobre sua senilidade. Além de ser incapaz de vencer a eleição presidencial, acreditam que ele não consegue entregar maiorias no Congresso.
As pesquisas comprovam estas percepções. Uma pesquisa da Associated Press divulgada na última quarta-feira (17) mostrou que quase dois terços dos Democratas querem que Biden saia da corrida. O argumento utilizado pela campanha no pós-debate era que o “democrata médio” estava com ele, mesmo que os grandes doadores o abandonassem.
A soma desta pesquisa, da semana hollywoodiana de seu oponente e agora do seu diagnóstico positivo para COVID é uma pressão ensurdecedora. O líder da maioria no Senado, Chuck Schumer, teria falado com Biden no final de semana passado. O líder da minoria na Câmara, Hakeem Jeffries, teria enviado uma mensagem similar. Outros líderes do partido, como a ex-speaker Nancy Pelosi, estão preocupados com o impacto que a permanência de Biden terá nos esforços de arrecadação de recursos eleitorais. O ex-presidente Obama parou de defendê-lo publicamente. O diagnóstico de COVID pode trazer uma narrativa que ajude a blindar o legado (e ego) do Presidente.
O cenário mais provável é que, caso ele deixe de ser candidato, ele apoie Kamala Harris. Muito provavelmente, viriam mensagens de apoio dos Obamas e dos Clintons, o que a tornaria a candidata de fato. De acordo com o New York Times, Biden e sua equipe já estão mais receptivos a ouvir conselhos e já encomendam pesquisas sobre a capacidade eleitoral de Kamala.
Nestes últimos dias, muitos analistas olharam para as impressionantes imagens do atentado na Pennsylvania e no RNC, contrastaram estas imagens com a evidente dificuldade física do Presidente Biden e declararam que a eleição já está definida. Mas quem está atento aos efeitos da enraizada cultura do partidarismo negativo na política americana entende que não é o caso. Esta cultura, tendências de turnout e o colégio eleitoral nos forçam a pensar no embate eleitoral de uma forma diferente. Neste sentido, o partido democrata busca uma candidata que consegue ganhar em alguns estados (Michigan, Pennsylvania e Wisconsin), porque é isto que importa.