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A polêmica do orçamento secreto não deve acabar

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Estão na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) ações que discutem a constitucionalidade do pagamento das emendas de relator no Orçamento, o chamado orçamento secreto (ADPFs nº 850, nº 851 e nº 854). A relatora das ações é a ministra Rosa Weber. Há outros julgamentos anteriores a este, o que pode adiar a análise dessas ações para a sessão de quinta-feira 8 ou até mesmo para a próxima semana.

Apesar da celeuma, poucos temas são mais obscuros do que o orçamento secreto. Pelo simples fato de que o tema não é tratado pelas razões precisas. Foi criado em 2019, quando o Congresso decidiu “tomar” parte da verba discricionária do presidente da República. Eram tempos de atritos entre a Câmara dos Deputados de Rodrigo Maia e Jair Bolsonaro.

O caráter secreto do orçamento está no fato de que o “padrinho” da verba – que sai do orçamento secreto para municípios – não é identificado. Aparece, apenas, o nome do relator do Orçamento da União. Tal fato tem duas consequências. A primeira, fortalecer o poder do grupo que escolhe o relator; a segunda, fortalecer politicamente os aliados do grupo em detrimento dos demais.

Com a medida, parte da verba originalmente do presidente da República (verba de uso discricionário dele) seria alocada para o relator do Orçamento da União, que passava a ser ordenador de despesas, o que é, no mínimo, polêmico. Vale dizer que toda e qualquer verba federal está submetida ao exame e controle de sua execução do Tribunal de Contas da União (TCU).

Para efeito de comparação, as emendas de parlamentares ao Orçamento da União têm identificação. Se o deputado federal Fulano de Tal consegue aprovar a verba para uma ponte em seu muncípio no Orçamento da União, tal fato é registrado nos debates do Congresso. Já no orçamento secreto (O.S.), fica na conta do relator do Orçamento. Quem não tem acesso à verba fica furioso. E, obviamente, quem tem o poder de incluir parlamentares nas verbas do O.S. passa a ser o grande operador político no Congresso Nacional. Por isso, tanto Arthur Lira quanto Rodrigo Pacheco são favoritos na disputa pelo comando do Congresso.

Imaginem, por exemplo, a situação. Você é um deputado federal em campanha eleitoral pela sua reeleição. Toda eleição, por mais tranquila, sempre tem perrengues de natureza política e financeira. No meio da luta, você recebe uma ligação informando que uma verba está sendo alocada para a sua base eleitoral e que você pode anunciar aos seus eleitores. Obviamente, a relação de gratidão que se instala é intensa.

Quando o tema era visto como uma forma de enfraquecer Jair Bolsonaro, um presidente polêmico, a resistência ao O.S. não foi grande. Quando se deram conta de que os padrinhos dos relatores do Orçamento da União se transformaram nos mais poderosos distribuidores de dinheiro do país, o tema tomou outro rumo. Agora, com um presidente eleito que tem o apoio explícito e pouco reflexivo da imprensa, o tema ganha novo impulso. Tanto o novo presidente quanto a imprensa que o apoia desejam o fim do O.S. e o retorno das verbas para o poder Executivo. Mas talvez isso não aconteça.

Faremos um julgamento de realidade e não de mérito. Entre a cruz do tema e a caldeirinha da imprensa, o que pode acontecer? Entre validar o orçamento secreto e cancelá-lo, duas opções – no momento – são as preferenciais: adiar a decisão ou propor alterações na mecânica de distribuição visando a torná-lo menos “secreto”. Ambas as soluções desagradam. A mídia quer “sangue” e o poder dos presidentes do Congresso limitado. O comando legislativo quer consolidar o “semipresidencialismo” orçamentário. O novo governo quer de volta a integralidade das verbas discricionárias.

Na prática, a polêmica instalada no STF sobre a constitucionalidade do orçamento secreto pode ter as seguintes consequências. Caso o orçamento secreto seja decretado inconstitucional – o que me parece improvável –, haverá consequências. A primeira é que, no âmbito da PEC da Transição, as verbas serão resguardadas e o O.S. poderá ser “constitucionalizado” com critérios mais transparentes. A segunda consequência será a de provocar a possibilidade de retaliações às agendas do Judiciário no Congresso Nacional, inclusive em questões orçamentárias. Em não sendo declarado inconstitucional, o STF poderá dormir sobre o tema e esperar o ano acabar. Ou modular os efeitos do O.S.

O Supremo entra em recesso no dia 20 de dezembro. Ou seja, se houver pedido de vista, a conclusão do julgamento pode ficar para o próximo ano. Uma ala do STF defende que o próprio Congresso Nacional é que deve resolver a questão politicamente. Outra ala entende que seria melhor definir o assunto já este ano, antes do início do novo governo. Não há dúvida de que essa questão pode influenciar a sucessão na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Apenas para 2023, as emendas do relator senador Marcelo Castro (MDB-PI) no O.S. somam R$ 19,4 bilhões. Tudo a favor para que nada se decida agora.

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