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A bala de ouro

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A ministra Simone Tebet, do Planejamento e Orçamento, disse no encontro Arko Conference que a reforma tributária é a bala de prata para destravar o desenvolvimento no país. Por sua vez, o vice-­presidente da República, Geraldo Alckmin, afirmou o mesmo em outro evento em Brasília.
Sem desvalorizar a reforma tributária, tema do qual já tratei aqui, temos a esperada aprovação do marco fiscal apresentado no dia 30 de março como a bala de ouro para, de forma clara, balizar o gasto público no Brasil e assegurar credibilidade fiscal ao governo.
Quando escrevi esta coluna, o novo marco fiscal ainda não havia sido divulgado. Assim, corro o risco de antecipar opiniões sobre uma proposta que não conhecemos por completo. Temos, porém, algumas certezas e pistas. O governo emitiu sinais de que a nova âncora seria pautada pelo princípio de que o Estado não pode gastar mais do que arrecada.
O novo arcabouço prevê um mecanismo de ajuste das contas públicas no caso de não atendimento às normas a serem estabelecidas. A regra combinaria gasto com a meta de superávit primário. Além disso, há previsão de zerar o déficit primário em 2024, conforme antecipou Tebet. Ao se manifestar sobre o tema, ela disse que a nova regra não incluirá exceções, mas permitirá um pouco mais de gastos em situações graves. O dilema é como conciliar uma situação fiscal em deterioração, a necessidade de maior gasto em áreas críticas e, ainda assim, criar uma expectativa de redução da dívida pública.

“O governo e o Congresso terão que propor cortes e redirecionar gastos. É aí que mora o perigo”

Para seguir esse princípio, o governo e o Congresso Nacional terão de propor cortes e redirecionar gastos, além de estabelecer com clareza o que fica dentro e o que fica fora do novo marco. Aí é que mora o perigo. A escolha do que fica fora pode ser a diferença entre o sucesso e o fracasso da proposta. Sem duvidar das boas intenções da equipe econômica e das lideranças do Congresso, resta saber se, no fim das contas, o resultado será positivo, já que, politicamente, a questão é complexa.
A equipe econômica — que busca uma abordagem pragmática para o tema — sofre com o “fogo amigo”. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, cujo empenho em trazer credibilidade e previsibilidade para a economia é evidente, enfrenta resistências internas. Críticas contundentes por parte de protagonistas do mundo político à equipe econômica e ao Banco Central atrapalham muito. No Congresso, a oposição vai lutar para dar menos espaço fiscal para os gastos do governo. Enfim, teremos um sério embate de posições sob o olhar atento do mercado financeiro.
Entre a cruz e a caldeirinha, a equipe econômica vai enfrentar várias escolhas de Sofia: agradar ao público interno do governo e ao PT mas desagradar ao mercado; resistir às opiniões do Congresso ou conciliar-se com as forças predominantes lá representadas. E além disso precisa provocar boas expectativas junto aos agentes econômicos, entre alguns outros dilemas. No entanto, caso a bala de ouro seja desperdiçada, muita munição terá de ser gasta para remediar a situação. Tanto para promover a credibilidade fiscal do governo quanto para evitar uma grave e generalizada crise de confiança na economia.
Publicado em VEJA de 5 de abril de 2023, edição nº 2835

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