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A polêmica do imposto de exportação de petróleo

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A Medida Provisória 1.163, que reonerou combustíveis e criou um imposto de exportação de 9,2% sobre o óleo bruto, está causando grande controvérsia no setor de óleo e gás, no Congresso Nacional e, agora, no Poder Judiciário.

A proposta recebeu 88 emendas. Dessas, 23 tentam tirar da MP o artigo que estabeleceu a cobrança do imposto de exportação. São emendas de autoria de deputados e senadores do PL, Podemos, Republicanos e Novo. E de parlamentares do União Brasil e do PSD, partidos que o governo tenta atrair para a sua base de sustentação.

A primeira dessas emendas foi protocolada pelo senador Rogério Marinho (PL-RN), líder da oposição no Senado. Ele argumenta que “a exportação de petróleo é o terceiro item mais importante da balança comercial brasileira, sendo responsável por um superávit de R$ 65 bilhões nos últimos quatro anos“.

Já o deputado Hugo Leal (PSD-RJ), autor de outra emenda, diz que “a criação desse novo imposto também afeta as perspectivas de aumento da produção de petróleo, uma vez que o produto será onerado e sofrerá uma maior concorrência de países que não tributam a commodity”. A estimativa é que o imposto arrecade R$ 6,61 bilhões.

Frente a essas dificuldades, lideranças governistas analisam que o melhor caminho é evitar a votação da proposta e deixar que ela perca validade em quatro meses, período que corresponde exatamente ao da vigência do imposto planejado pelo governo. O que é considerado, no mundo político, um truque estranho para se obter arrecadação. Mas qual mensagem que estariam passando para outros setores da economia com esse precedente?

No âmbito judicial, a cobrança do imposto de exportação sobre o petróleo gerou reações importantes. Até o momento, seis petroleiras, dois partidos políticos e uma associação já acionaram a Justiça para tentar reverter os efeitos da iniciativa. No último dia 08 de março, o Novo e o PL entraram com duas ADIs no Supremo Tribunal Federal (STF) para questionar a constitucionalidade da cobrança, e posteriormente a ABEP – Associação Brasileira de Exploração e Produção, associação que trabalha em cooperação com o IBP e reúne as principais operadoras de exploração e produção de petróleo do país, que também protocolou ADI nesta terça-feira, dia 14 de março.

As siglas e a associação argumentam que a taxação de exportações deve ter caráter regulatório, e não arrecadatório, e questionam a insegurança jurídica que o efeito imediato da medida provisória traz aos investidores. Cinco empresas ajuizaram em litisconsórcio mandados de segurança e pedidos de liminar contra a decisão: Shell Brasil, Equinor, Petrogal, Repsol Sinopec e Total Energies. A PRIO também ingressou com a mesma medida e todos os processos correm hoje na Justiça Federal do Rio de Janeiro.

No final das contas, a cobrança não deve se sustentar. Além do evidente caráter arrecadatório da iniciativa por meio de instrumento inadequado, a medida está trazendo insegurança jurídica e clara afronta à livre concorrência e isonomia. No evento Ceraweek, ocorrido este mês em Houston, nos Estados Unidos, e dedicado ao setor de óleo e gás, a cobrança foi objeto de preocupação de empresários e investidores. Politicamente, a medida também causou preocupação a outros setores exportadores, que viram na iniciativa uma sinalização de que o atual governo possa adotar medida semelhante na mineração e no agronegócio, como ocorreu na Argentina.

A medida afeta diretamente determinados Estados da Federação, que concentram a produção de petróleo brasileira. São eles Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo, que juntos concentram quase toda a produção de petróleo. Os efeitos da cobrança e a insegurança dela decorrente serão sentidos por meio da interrupção/redução de investimentos na produção de petróleo, com consequências nas economias locais de tais Estados e Municípios.

Vale lembrar também que quando o STF considerou constitucional o programa de desinvestimento da Petrobras, foi criado um robusto mercado secundário em campos de petróleo não mais atraentes economicamente para grandes petroleiras, mas viáveis para empresas menores. Tal mercado não foi uma inovação brasileira, pois já existia em outras geografias, onde tais campos, ao atingirem determinada maturidade, são transferidos para empresas que, com foco específico e a correta estrutura de custos, mantêm a atividade de extração do petróleo por mais tempo, evitando o abandono de tais campos e o fim da atividade econômica, que elimina empregos e diminui a arrecadação de tributos e royalties dela decorrentes.

Outro aspecto importante é que a decisão de se taxar as exportações afeta as expectativas do mercado, que é baseado em contratos/investimentos de longo prazo, influenciando negativamente a alocação de capital de investidores no Brasil, em função do um cenário de insegurança jurídica e da redução das margens das companhias.

Assim, tanto pela questão jurídica quanto pelo lado econômico, a expectativa é a de que o STF suspenda de pronto a cobrança, a fim de que a iniciativa não provoque danos aos contratos vigentes, ao mercado e aos governos estaduais e municipais afetados.

 

Em resumo, os argumentos em favor da inconstitucionalidade da medida são claros:

 

  1. Função extrafiscal do Imposto de Exportação. O imposto de exportação é um tributo de função marcadamente extrafiscal, que serve como instrumento da atuação da União no controle do comércio exterior. A posição unânime na doutrina entende que a extrafiscalidade se opera quando o tributo é utilizado com outras finalidades que vão além da arrecadação. Isso porque a função precípua do tributo é angariar receitas suficientes ao custeio do Estado. E, ao utilizar o tributo com finalidade extrafiscal, pretende o Estado alcançar outro fim que não, apenas, o de financiar as suas atividades. Neste contexto, temos de forma inequívoca, que o Imposto de Exportação, tem, como preceito fundamental, a função de regular o mercado exterior através do fomento ou desestimulo da exportação de bens de acordo com o interesse do mercado, medida fática que não se percebe no arcabouço da Medida Provisória 1163/23;

 

  1. Impossibilidade de se vincular receitas do Imposto de Exportação. Da leitura atenta da Exposição de Motivos da MP n.º 1.163/2023, é possível notar que a elevação do Imposto de Exportação tem nítido caráter arrecadatório para fazer frente a um cenário em que a manutenção da desoneração do PIS e da COFINS ao setor de combustíveis gerou uma redução de receitas tributárias estimada em R$ 6,61 bilhões. Assim, a estratégia adotada pelo Governo Federal resume-se a manter as desonerações dos combustíveis, ainda que de forma parcial, e a compensar essas perdas arrecadatórias por meio da imposição do Imposto de Exportação, o que vai totalmente de encontro à sua materialidade extrafiscal, posto que são tributos não vinculados;

 

  1. Princípios da livre concorrência, do tratamento isonômico e da capacidade contributiva. A cobrança do Imposto de Exportação representa relevante aumento do preço do petróleo brasileiro no mercado internacional, o que a afronta ao princípio da livre concorrência, posto que deixa o petróleo brasileiro em total desvantagem em relação ao petróleo vendido internacionalmente, especialmente por se tratar de uma commodity. Além disso, a mesma medida provisória traz a desoneração do PIS e COFINS incidente sobre petróleo importado por refinarias para a produção de combustíveis, gerando nova desvantagem para o petróleo produzido no país, quando este puder ser absorvido no mercado, haja vista que não é qualquer refinaria brasileira que consegue refinar o tipo de óleo produzido no país, mais pesado, fato que impulsiona as vendas deste petróleo para o mercado externo;

 

  1. d) Princípio da segurança jurídica. Decorre do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, relacionado intimamente com a proteção da confiança do contribuinte. Isso posto, percebe-se que o art. 7º da MP 1163/23 nitidamente afronta ao princípio da segurança jurídica e da não surpresa, sendo certo que o processo de venda do óleo cru no mercado internacional é de todo complexo, necessitando de acordo entre as partes que podem levar meses, até a assinatura do contrato com a conclusão do pedido de compra. Uma vez que estes são firmados com antecedência de diversos meses, as empresas do setor precisam confiar no sistema legislativo e tributário vigente para poder fazer frente às negociações inerentes à sua atividade, com pelo menos um mínimo de previsibilidade, já que mudanças repentinas e sem nenhum contexto histórico anterior trazem um enorme impacto econômico para transações já negociadas.

Na avaliação do IBP, “o período definido para cobrança do novo imposto, por si só, não retira os efeitos de percepção negativa que podem perdurar por longo período, podendo ocasionar atraso ou mesmo cancelamento nas decisões de investimentos em exploração e produção, com potencial efeito negativo na arrecadação de tributos federais e estaduais e na geração de empregos“. A Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) também se manifestou demonstrando sua preocupação, sobretudo porque “além de estressar o mercado criando um ambiente de tensão e imprevisibilidade, impacta o planejamento da indústria no médio e no longo prazo“.

(*) texto publicado originalmente no site Migalhas.

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