O secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, participou, nesta terça-feira (5), de live com o CEO da Arko Advice Murillo de Aragão. A seguir, resumo dos principais pontos abordados pelo secretário.
Aumento de gastos públicos: é imprescindível notar que as condições agora são diferentes das crises anteriores. Em 2008 a nossa dívida era muito baixa e havia um superávit primário alto, então havia espaço para um aumento grande do gasto público, inclusive do investimento público. Agora, o Brasil entrou na crise com uma dívida muito alta e de desequilíbrio fiscal (antes da crise nossa dívida era de 76% do PIB; a média dos países em desenvolvimento é de 50% do PIB). Em três anos após o Teto de Gastos, em 2016, a despesa primária da União era de 19,9% do PIB. Em 2019, a despesa foi para 19,4% do PIB. Ou seja, em três anos apenas 0,6 ponto foi reduzido. Nesse momento, continuar com a agenda de reformas e abrir oportunidades para que investidores privados façam investimentos no Brasil. Para aumentar o investimento público, é necessário controlar o crescimento de outras despesas obrigatórias. Por exemplo, reajustes de salários não são aconselhados pós crises, o que o Brasil fez depois de 2008.
Gasto público em investimento: em 2020, (antes da crise) o orçamento do governo era de aproximadamente um trilhão, quatrocentos e oitenta bilhões de reais. Deste montante, o espaço para investimento público era de 45 ou 50 bilhões de reais. Para aumentar o espaço para investimento, sem aumentar o gasto total e sem ajuste de carga tributária, é necessário controlar as despesas obrigatórias. Ações importantes de conter as despesas obrigatórias são, por exemplo, não ter aumento salarial e não criar programas novos que não sejam absolutamente necessários. A reforma da previdência foi uma mudança estrutural, porém ainda há necessidade de outras reformas.
Possibilidade de depressão econômica: diante das incertezas a respeito do período de isolamento social, do desenvolvimento de imunização e vacina para a população, o mundo inteiro enfrenta a pior crise desde a Grande Depressão, caminhando para a recessão, e no Brasil não será diferente. A expectativa é que haja um decréscimo forte do PIB brasileira. Uma consequência positiva é a inovação das formas de trabalho, em algumas categorias que permitem teletrabalho. O Tesouro Nacional está funcionando plenamente há mais de 50 dias com 100% dos trabalhadores em casa. É uma crise séria e profunda. O mundo todo vai sair da crise em uma situação difícil, mas hoje, diferentemente da década de 30, o Estado de Bem-Estar Social permite novos mecanismos e possibilidades para enfrentar a situação e amparar a população.
Investimento estrangeiro: o endividamento do país pode atingir até 90% do PIB este ano. No entanto, o investidor analisa a trajetória do país para decidir o nível de risco que está disposto a investir. Porém, se ao final do ano o Congresso aprovar reformas, houver um bom diálogo entre Executivo e Legislativo, avançar na agenda de reformas de privatização, concessão e novo marco regulatório e saneamento, retomada dos leilões, 90% do PIB não será grave. A trajetória é influenciada por, basicamente, três fatores: economia feita (resultado primário), nível de taxa de juros e velocidade de crescimento da economia. O cenário atual é positivo, os juros hoje são abaixo do 4% e a Selic é 3,75%. É necessário consolidar o cenário de inflação baixa e juros baixos e fazer reformas que aumentem o potencial de crescimento do país.
Auxílio emergencial: o programa foi implementado com vigência de três meses para auxiliar pessoas socioeconomicamente vulneráveis e que perderam sua renda durante a pandemia. Observando que em países da Europa, como Itália e Espanha, que tiveram altos índices de infecção e mortalidade por conta do coronavírus, o “lockdown” durou apenas dois meses. Embora no Brasil, sobretudo nas grandes cidades, o isolamento social só esteja sendo seguido por apenas 50% da população, o auxílio foi formulado para a possibilidade de um completo lockdown por três meses. Nas próximas semanas, a curva de contaminação e de óbitos deve ser avaliada para decidir se os programas serão estendidos por mais tempo. O programa custa em média 120 ou 130 bilhões de reais, o que representa aproximadamente 1,7% do PIB. Pela primeira vez na década, o gasto com o Bolsa Família caiu, uma vez que o auxílio emergencial é maior que o valor recebido pelo beneficiário do BF. O objetivo primordial deste ano não é o ajuste fiscal, é salvar vidas.
Hipótese de auxílio permanente: não há essa possibilidade, é um programa de curto prazo. O Brasil precisa gastar com qualidade. Não é possível colocar grande parte da população em programas de transferência de renda. A necessidade é de refletir por quê temos 40% da força de trabalho na informalidade? O que falta para esse trabalhador que tem saúde e que quer trabalhar, ir para o mercado formal? É falta de treinamento, do contrato de trabalho? Esse é um debate necessário.
Infraestrutura: o Brasil investe pouco em infraestrutura há décadas. O capital não é destinado para saneamento, rodovias, aeroportos, setor de energia e outros projetos porque o país construiu marcos regulatórios ruins. Por exemplo, em 2012 o setor elétrico foi desorganizado de forma que até hoje a conta está sendo paga. Precisamos de marcos regulatórios que sejam atrativos e tragam segurança para os investidores. A falta de investimento em infraestrutura não é por falta de dinheiro público e sim, por regras e marcos regulatórios ruins ao longo de anos. Além disso, o sistema tributário do Brasil tem de ser consertado. O desafio continua sendo melhorar o ambiente de negócios que o país precisa.
Atração de capital privado: o setor privado está sofrendo no mundo todo. Claro que um país rico tem mais condições de combater os impactos da crise do que um país emergente, mas são contextos muito diferentes. Para atrair investimentos, é necessário dar segurança jurídica. Os investidores vão sair da crise buscando oportunidades de investimento. O Brasil tem características favoráveis a isso, já que não tem desastres naturais e tem um setor agrícola e de petróleo e gás muito forte, com as reservas que já temos. Na metade desta década o país será necessariamente um dos maiores produtores de petróleo do mundo. A expectativa é de atrair investimentos e, ao longo de dez anos, ter uma economia muito mais sólida. O que não pode acontecer é sair da crise com um cenário mais fraco. É necessário demonstrar o mínimo de consenso político.
Simplificação do sistema tributário: embora todo mundo seja a favor da reforma tributária, não há consenso sobre o que seja uma boa reforma nesse sentido. Nos últimos anos, o Brasil aumentou sua faixa de tributação especial para regime simples de redução de imposto que ultrapassa um milhão de dólares. O que você paga de Imposto de Renda não depende da renda, e sim do regime de trabalho. Nunca tivemos um Congresso Nacional tão engajado em discutir uma reforma tributária, sobretudo a atuação do presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Não sabemos que tipo de reforma terá o consenso político, mas essa é uma das grandes questões que atrapalham o crescimento do Brasil. Precisamos de um sistema tributário mais progressivo e justo, com um menor número de impostos e contribuições, mais estável e simples, que não sofra tantas alterações.
Diálogo político: é necessário construir consenso a partir de divergências. O bom da democracia é sentar-se à mesa com opiniões divergentes, respeitando o contraditório e tentar construir consenso. Em um país que tem mais de 30 partidos políticos, é necessário saber respeitar as divergências e estar aberto ao diálogo. O aumento do ruído político aumenta a incerteza e claro, impacta na dívida pública. Nos últimos meses, os juros de longo prazo aumentaram. Já a taxa de curto prazo, Selic, está bem baixa. O Tesouro já vinha vendendo menos títulos longos (a partir de 10 meses) nos últimos meses, porque os investidores desse tipo de título são, geralmente, fundos de pensão e investidores estrangeiros. Com a crise, isso piorou muito. O essencial é reduzir a incerteza, que ocorre com o bom diálogo político.
Socorro a estados e municípios: a Câmara dos Deputados incluiu o Plano Mansueto no projeto de lei nº 101/2020, que ainda não foi votado. A Câmara, o Senado e o próprio governo compreenderam que o momento emergencial não permite que um governador desenhe um ajuste fiscal, que geralmente demora meses. O governador irá decidir os gastos das próximas 3 ou 4 semanas. Então, a decisão foi manter a parte estrutural original intacta para ser votada após a crise e debater agora o socorro a estados e municípios. As duas casas fizeram um grande esforço junto ao governo federal para construir um projeto minimamente consensual para ajudar os estados e municípios. Esse é um bom exemplo de como o diálogo político entre as duas Casas faz avançar os temas importantes para o país.
Visão expansionista do gasto público: discordo da afirmação do André Lara Rezende (Em entrevista ao jornal Valor, André Lara Resende criticou o que chamou de restrição dogmática das contas públicas e complacência dos governantes com a paralisia do Estado, expressa na ideia de que “não se pode fazer nada, na espera de que o investimento externo crie um novo milagre brasileiro”), apesar de todo o respeito que tenho por ele. Vários economistas concordam com essa perspectiva de não ter de se preocupar com gastos, somente aumentar a produção de moeda. Não há dogmatismo fiscal nenhum. O Brasil está gastando o necessário para combater a crise, mas os problemas estruturais como o serviço público muito grande e aumentos salariais automáticos são desafios para o desenvolvimento do país.
Compras de dívida interna: estamos longe desse cenário. O Brasil vem construindo um caminho positivo. Há 5 anos atrás o país tinha inflação de 11% ao ano e o juro básico da economia era 14,25%. Atualmente a inflação esperada é abaixo de 4% com juros baixos.
Exportação: apesar de todos os problemas que nós temos, de sistema tributário complexo, infraestrutura precária, o Brasil tem uma estrutura produtiva muito diversificada, com uma indústria muito relevante, sobretudo na área de agricultura e no setor de energia, petróleo e gás. O Brasil tem uma característica diferente na parte de exportação, o que permite que talvez esse ano haja superávit com a China, o que não é comum para o país. O Brasil de juros mais baixos e câmbio desvalorizado favorece a exportação de forma sustentável.
Reservas: Por respeito institucional, eu não especulo quanto o Banco Central poderá vender ou não de reservas. Por exemplo, sei o Banco Central vender R$ 70 bilhões, um pouco mais de US$ 16 bilhões, isso diminui imediatamente a dívida bruta em 1% do PIB. Portanto, o valor final da dívida vai depender de uma série de coisas que eu não tenho controle.
Embraer: como a Embraer é uma empresa privada, o futuro dela depende dos acionistas, apesar do governo deter de uma golden share. A Embraer fez investimentos muito grandes na área de aviação militar e civil. Agora, o momento é de recuperar parte dos investimentos da última década. O comportamento de ação da empresa teve uma queda forte em março, quando a crise do coronavírus ficou clara e todas as ações das empresas aéreas despencaram. Depois da questão da Boeing não houve mais nenhuma queda forte nas ações da Embraer. Não tenho conhecimento sobre uma operação do BNDES aportar um milhão de dólares na Embraer, já que a empresa tem caixa e vai ter redução de custo, já que tem maturação de projetos de investimentos dos últimos 10 anos. A segurança da companhia vem dos contratos do governo, que tem uma lista de aeronaves compradas da Embraer e a empresa faz uso de linhas de equalização de juros para exportação de aviões.