Ao longo de 2019, conversei com vários clientes estrangeiros sobre o Brasil. As visões e expectativas que tinham sobre o ano que se iniciava foram se alterando seguidamente até agora, nas vésperas do Natal.
Sabia-se em janeiro que Paulo Guedes seria o grande nome do governo. Todas as grandes esperanças de recuperação e reformas residiam nele e em sua equipe. Vale notar que alguns investidores mais experientes já demonstravam incerteza sobre a relação que o Ministério da Economia iria construir com o Congresso.
Como todos lembram, a Reforma da Previdência era o grande tema no início do ano. Essencialmente, as conversas com investidores eram voltadas para a capacidade do governo de articular os números necessários para a aprovação da Reforma e o que poderia resultar a partir dessa aprovação.
Esperava-se que a articulação com o Congresso fosse feita a partir da Casa Civil, sob orientação do Ministério da Economia, tendo as lideranças do PSL e do Governo como pontos focais dentro do Congresso. Nesse momento, recebia inúmeras consultas sobre o funcionamento da Casa Civil e qual seria sua capacidade de convencimento para formar uma coalizão além da base aproximada de 280 votos que o governo possuía.
A aprovação da Reforma da Previdência revelou que o Ministério da Economia era o grande centro intelectual das reformas estruturais que o governo se comprometera a fazer, porém não contava com o apoio necessário da Casa Civil para executar a articulação sob sua influência.
Isso foi se evidenciando, à medida que outras pautas consideradas “de costume” eram rebatidas pelo Presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Quase que imediatamente, muitos investidores passaram a buscar a compreensão do papel de Rodrigo Maia para além das suas funções na presidência.
Entendeu-se que, naquele momento, o avanço das reformas estruturantes dependia mais da receptividade e da articulação interna no Congresso do que necessariamente da articulação liderada pelo Governo. O esforço do Presidente Bolsonaro para a aprovação de Eduardo Bolsonaro como embaixador nos EUA modificou ainda mais a dinâmica de funcionamento nas relações entre Executivo e Legislativo. O Senado usou bem o fato de o Palácio não conseguir contabilizar os votos necessários para essa aprovação. Por volta do meio do ano, a unidade do PSL demonstrou fraturas que se provariam insuperáveis. Durante as negociações para chegar ao número necessário para a aprovação de Eduardo — 41 votos — havia, entre os investidores, recepções mistas a essa ideia. Uns viam na nomeação a possibilidade de avanços rápidos em potenciais acordos entre Brasil e EUA (como o de Livre Comércio); outros, não entendiam o objetivo por trás dessa iniciativa.
A articulação para a obtenção desses votos gerou alguns efeitos colaterais. Por mais que a ideia de Eduardo para a embaixada tenha colapsado por conta do derretimento interno do PSL, lideranças governistas e do Centrão negociaram ferozmente posições com o Executivo.
No CADE tivemos um dos casos mais emblemáticos: 70 operações ficaram paradas, já que o órgão ficou quase 2 meses sem sua composição mínima. Essa paralisia em um órgão tão importante até hoje é comentada por vários investidores e utilizada como exemplo de algo que não esperavam na nova administração.
O PLC 79 (Lei Geral de Telecom) também gerava muita ansiedade em diversos investidores dos EUA e do Reino Unido. Assim como na questão do CADE, o atraso na aprovação fez com que o país perdesse alguns investimentos quase assumidos.
No entanto, um ponto importante foi a percepção de que o governo seguia com grandes dificuldades em aprovar projetos de lei que possuíam mínima oposição, como o PLC. Nesse caso, o papel do Centrão em ampliar o leque de expectativas em negociações especificas com o governo levou o projeto a ser atrasado.
Finalmente, ao findar-se o ano, o mercado está começando a entender melhor a dinâmica do governo Bolsonaro:
1. Paulo Guedes segue tendo uma importância primordial. No entanto, essa importância não é como executor ou gestor, mas sim como idealizador e responsável pela estruturação das reformas;
2. O Congresso inverteu a lógica de negociação com o Executivo. A recente postura da Frente Parlamentar da Agricultura demonstra que grupos parlamentares conseguem cada ver mais determinar o ritmo de decisões do Executivo;
3. Tirando o Ministro Tarcísio de Freitas/Infraestrutura, o governo ainda não consegue apresentar cronogramas convincentes para o mercado se programar;
4. O Governo misturou EUA e China na mesma panela de temas. Isso gera uma expectativa que pode se tornar uma ansiedade a partir do ano que vem;
5. Os pontos de referência no país são: Presidente Bolsonaro, Paulo Guedes, Tarcísio de Freitas, Tereza Cristina, Roberto Campos, Rodrigo Maia e David Alcolumbre.
Em termos gerais, o investidor estrangeiro de capital fixo está feliz com o Brasil. Para o investidor de ativos líquidos, há uma expectativa e ligeira ansiedade para que o crescimento prometido comece a se apresentar com mais robustez. Um crescimento por volta de 2.3% para 2020 é considerado bom, mas ainda não o ideal. Além disso, a grande pergunta é se o mundo irá piorar em 2020. O Brasil precisa de mais demanda para melhorar e ultrapassar a barreira dos 2.5% de crescimento. No entanto essa demanda só virá com um ambiente de melhora global, que passa pela resolução da guerra comercial entre EUA e China. Obviamente, se houver uma recessão, o impacto no Brasil será complicado.
O estrangeiro segue com dúvidas, vontade, temor e excitação. Varia muito de fundo a fundo, dependendo das suas características de atuação no mercado. Uma coisa foi unanimidade entre vários esse ano: a política prejudicou imensamente a confiança no Brasil. Não apenas a confiança na imagem, mas a confiança nos processos e procedimentos. Não se pode prometer demais e entregar de menos. Para 2020, o Brasil precisa de menos polêmicas , menos loucura em redes sociais e mais cronogramas claros para projetos e reformas.