Uma gigante chinesa da tecnologia está no epicentro de uma enorme batalha de influência geopolítica e estratégica entre as duas principais potências do mundo. Ela se tornou um símbolo na disputa entre Estados Unidos e China, que há tempos já ultrapassou o campo meramente comercial.
O presidente americano Donald Trump anunciou em maio deste ano que a empresa chinesa estava “blacklisted”, ou seja, na lista de empresas com as quais companhias americanas não poderiam mais fazer negócios, a não ser que previamente autorizadas pelo governo. A prisão de Meng Wanzhou, chefe do departamento financeiro da empresa, em dezembro de 2018, marcou o início público da confrontação entre os dois países ao redor da Huawei.
Desde então, os EUA buscam demonstrar a diversos países do mundo que ela não é uma empresa segura, visto que oferece um “backdoor” ao governo chinês: para o acesso de dados, invasão de sistemas e obtenção de informações por meio de ciberespionagem. A resposta chinesa, obviamente, refuta essa tese e argumenta que a empresa simplesmente foi transformada em um bode expiatório por conta de seu baixo custo e alta tecnologia.
Nesse meio, o leilão do 5G, que deve ocorrer no Brasil no fim de 2020 ou no início de 2021 (ainda que algumas operadoras tentem adiá-lo indefinidamente para que seus modelos de negócios não sejam afetados), colocou o Brasil em uma posição central do embate.
Desde a campanha eleitoral de 2018, o presidente Bolsonaro se alinhou de corpo e alma com o presidente Trump, a fim de equalizar narrativas sobre o mundo e, ao mesmo tempo, buscar vantagens comerciais. A China, naquele momento, foi incorporada por Bolsonaro na mesma forma de narrativa de Trump e colocada como um problema a ser resolvido a posteriori.
Com o início do governo e o foco na recuperação, a equipe econômica (assim como os exportadores rurais e de commodities em geral) passou a pressionar Bolsonaro para que a China não fosse retaliada, abandonada ou ignorada, já que o volume de exportações para a Ásia é importante para a manutenção do crescimento.
Bolsonaro fez mais do que isso. Após visita à China, o presidente brasileiro passou a replicar a forma de aproximação que tinha com Trump no começo do ano com o presidente Xi Jinping. Assim, a China virou uma espécie de “queridinha” do governo brasileiro.
Entendendo a abertura que acabara de receber, Xi “afagou” o brasileiro por meio de defesas públicas do seu governo à forma de combate aos incêndios da Amazônia e colocando a gigante chinesa de petróleo CNOOC para fazer uma proposta por um dos campos do pré-sal, durante o fracassado leilão do mês passado. Mais do que isso, a afabilidade gerada entre os dois levou o presidente da Huawei no Brasil a ser recebido por Bolsonaro, com demonstrações de que sua empresa não seria excluída do processo de licitação para a infraestrutura de redes do 5G no Brasil.
A sinalização dada pelo Brasil trouxe novamente o país para o radar americano. Diversas informações foram compartilhadas entre o FCC (órgão regulador de telefonia dos EUA) e a Anatel, apontando riscos para a incorporação da Huawei na rede 5G. Imediatamente, especulações e avaliações surgiram de que a relação entre Bolsonaro e Trump poderia ser colocada à prova a partir da decisão do brasileiro sobre o envolvimento ou não da Huawei na chegada da rede de quinta geração ao Brasil.
Onde foi o erro brasileiro? O país mostrou suas cartas rápido demais para ambos os países. Abraçou os dois sem levar em consideração o grau de complexidade que a guerra comercial entre EUA e China atingiu. Não se trata apenas de tarifas. Trata-se de tarifas, segurança nacional, Mar do Sul da China, Hong Kong, Taiwan, espionagem cibernética, visões de mundo, influência em diversos países etc.
O leilão do 5G ocorrerá provavelmente em 2021. Até lá, haveria tempo de sobra para que, no meio do silêncio, o Brasil avaliasse técnica e geopoliticamente a disposição de incorporar ou não a Huawei na licitação. Comprometer-se com os dois países de forma tão adiantada e aberta, acaba por gerar uma pressão desnecessária no ambiente de negócios que contaminará a tomada de decisões.
É compreensível o temor americano. Considerando-se as questões ao redor da vulnerabilidade de dados na Huawei, diversas empresas americanas e outras que utilizarão a Base de Alcântara (que gerará um tráfego alto de informações sensíveis) vão se sentir sob constante risco.
Por outro lado, quando o Brasil sinaliza para a China que a Huawei não terá problemas para participar, o governo chinês entende que qualquer mudança nessa postura ao longo de 2020 legitimará, como forma de pressão, suspender a importação de alguns produtos.
E em que momento isso se mostrará ainda mais complexo? No momento em que China e EUA chegarem a um acordo comercial, fazendo com que as importações chinesas de produtos agrícolas americanos voltem a ganhar força. Nessa hora, qualquer negociação brasileira com a China para manter (ou eventualmente aumentar) as exportações brasileiras, passará por uma condicionante chamada Huawei.
Por outro lado, as condicionantes americanas para diversos acordos tecnológicos, de livre comércio, cooperação em diversas áreas e influência geopolítica na região, também passarão pela condicionante chamada Huawei. Caso o Brasil tivesse deixado passar sua vez e segurado seus trunfos nessa rodada, as condicionantes poderiam ser de mais fácil gestão.