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Eleição argentina é um cisne negro para o governo Bolsonaro?

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Por: Creomar Lima Carvalho de Souza para o Correio Braziliense

Tomadores de decisão do setor privado ou de instituições públicas precisam lidar no seu dia a dia com o imponderável. Eventos inesperados no campo da política doméstica, nos mercados ou até mesmo em cenários geopolíticos distantes causam estragos reais, invalidam o planejamento de empresas e governos e afetam negativamente a capacidade de perseguir os objetivos previamente estabelecidos. Alguns são tão inimagináveis que se cunhou um termo para qualificá-los: são os chamados cisnes negros ou black swans. A eleição de Trump e o Brexit são exemplos recentes de eventos dessa natureza, que quase ninguém conseguiu prever, mas cuja realização causa abalos nas certezas e pressupostos até então vigentes.

Ainda que não seja possível, por definição, prever um evento tipo black swan, a moderna análise de riscos emprega diversas técnicas para acompanhar tendências, projetar cenários e preparar-se para o que parece surgir no horizonte. As recentes prévias para as eleições presidenciais na Argentina oferecem um bom estudo de caso, em que a o manejo correto da análise de riscos pode ajudar a evitar desfechos desagradáveis. Nesse caso, tanto empresas quanto governos refazem seus cálculos e, com base nas declarações da chapa vencedora, formada por Alberto Fernández e Cristina Kirchner, tentam precificar essa eleição que parece decidida. No afã de calcular esses riscos, porém, a precipitação pode levar a grandes erros.

Da perspectiva do governo brasileiro, a julgar pelas declarações do presidente Bolsonaro e do ministro Guedes, há um alto grau de convicção de que a efetiva eleição da oposição — em outubro — levará à volta de políticas populistas e, sobretudo, do protecionismo comercial, na contramão da modernização recente do Mercosul. Com isso, a Argentina deixaria de ser a aliada fundamental que tem sido do governo atual em tornar o bloco um instrumento de abertura, inclusive por meio de uma agressiva agenda de negociação de acordos de livre-comércio, como o fechado com a União Europeia, e os que estão em andamento com Canadá, EFTA, Coreia do Sul e Singapura.

A narrativa alarmista de autoridades brasileiras, contudo, tende a contribuir para a polarização. Uma análise mais refinada das variáveis, por outro lado, talvez aconselhasse o presidente e seus ministros a adotar perfil baixo, ganhando tempo para verificar até que ponto Alberto é Cristina. Uma análise do perfil biográfico do candidato o coloca como uma liderança mais moderada do que a ex-presidente, o que não deixa de ser um fator a ser considerado, inclusive porque abre a possibilidade de que o discurso no calor do embate eleitoral contra Macri seja normalizado caso Alberto Fernández confirme o favoritismo. Complementarmente, uma fala provocativa do lado de cá, atende mais aos interesses de Fernandez ao dar um alvo retórico externo e alimentar velhas rivalidades com Brasil, do que ao atual presidente argentino, cuja melhor chance se encontra na diminuição da temperatura do pleito.

Não é possível descartar que Alberto Fernández adote política protecionista, comprometendo a atual agenda de abertura do Mercosul. Mas o discurso polarizador e a ameaça de retirar o Brasil do bloco sul-americano podem se tornar uma profecia que se cumpre automaticamente, um possível presidente Fernandez isolado e hostilizado por Brasília, é o pior cenário possível para interesses estratégicos brasileiros. As empresas brasileiras, por sua vez, só têm a perder se o cenário de confronto se confirmar, afinal a Argentina é um dos principais destinos de nossas exportações de manufaturados, em particular no setor automotivo, além de parceira em várias áreas vitais para a economia brasileira.

O primeiro mandamento do analista é não minimizar os riscos, mas trabalhar para contê-los, de modo a contribuir para que o cenário menos catastrófico prevaleça. No caso da Argentina, o setor privado brasileiro deveria alertar o governo para os riscos de transformar eventual desfecho ruim em algo realmente catastrófico. Neste aspecto, a reprodução da dinâmica discursiva confronto de Bolsonaro é uma variável que merece atenção. Analistas de risco, planejadores e estrategistas de empresas e instituições de Estado deveriam dar o alerta, afinal, uma polarização entre Brasil e Argentina é algo que não trará benefícios para duas economias em dificuldades.

* Creomar Lima Carvalho de Souza é fundador do Dharma Political Risk and Strategy, professor universitário e doutorando em política comparada no Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília

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