A semana adentra com a perspectiva de um julgamento decisivo para a democracia. Assistiremos aos juízes da Suprema Corte arbitrarem se o Judiciário tem supremacia sobre o Legislativo ou se as forças de ambos se equivalem.
Não se trata de julgar o senador Aécio Neves. As provas levantadas pela Lava-Jato fornecem indícios de que o parlamentar integra o cada vez mais amplo grupo de meliantes do erário. A sessão do STF vai muito além.
O debate-embate marcado para quarta, 11, definirá se juízes podem alinhavar leis para subjugar membros de outro Poder. Suspender mandatos eletivos e sustar a liberdade de parlamentares, antes do devido processo legal, não constam de suas atribuições constitucionais.
“Recolhimento domiciliar noturno” é eufemismo para “prisão preventiva em regime aberto”. A assertiva é do juiz supremo Marco Aurélio. E a “suspensão” simplesmente não existe.
O dever da Corte Máxima é, quando provocada, julgar parlamentares acusados, por exemplo, de surrupiar o erário. Atribuição raramente exercida pelos juízes supremos, raros são os julgamentos, raríssimas as condenações de maganos.
Tanto que o STF pena para revidar os que lhe atribuem o estigma de valhacouto de meliantes. Basta ver como deputados e senadores fogem das garras de Sérgio Moro para abrigar-se no foro do Supremo. A desculpa é que onze juízes não conseguem fazer o que o sufeta de Curitiba faz sozinho.
“Mandarins onipresentes”
Dessa maneira, destronar Aécio de seu mandato parece ser paliativo punitivo à opinião pública. Apenas uma inconsequência não estivesse em jogo um membro de outro Poder.
A democracia assenta-se no equilíbrio e na independência de seus Poderes. Quando um se sobrepõe ao outro, assumindo função alheia, rompe-se um e outro.
Artigo do Blog da Política Brasileira alertou para o perigo da República dos Magistrados. A advertência encontra outras vozes a ecoar a ameaça.
Caso do sociólogo Luiz Werneck Vianna. Para ele, “a atual invasão do Poder Judiciário sobre as dimensões da política” aponta para a iminência “de um governo de juízes, a pior das tiranias, visto que dela não há a quem recorrer”.
O filósofo Roberto Romano faz coro. “Se o STF for considerado ‘moderador’ acima dos outros Poderes (…) Em vez de um monarca, teremos 11 mandarins onipotentes”, postulou. “Surpreendente”, espantou-se Carlos Velloso, ex-STF.
Trilha temerária
Quarta próxima assistiremos, assim, se o poder de legislar cabe a quem tem voto – e, portanto, pode ser removido pelos eleitores – ou a quem alçou vôo à Corte Máxima por lobby, parentesco ou outro predicado – e, lá entronizado, não mais será removido. O Judiciário já tem a prerrogativa definitiva de subtrair a liberdade dos brasileiros. Não precisa acumular com a de legislar.
Se o STF autoproclamar-se Poder acima dos demais Poderes caberá ao Senado reagir para reaver um naco da legitimidade que deixou esfarelar-se ao longo da trajetória recente quando amesquinhou-se na autoproteção de meliantes. Ou baixar a cabeça, deixando o País à mercê de juízes voluntariosos.
Nunca é demais lembrar que magistrados têm cargo vitalício e não prestam contas praticamente a ninguém. Tampouco precisam renovar seus mandatos junto à cidadania. Assim, defender que um juiz sem voto possa arbitrar, fora da Constituição, o afastamento de um parlamentar é enveredar pela trilha temerária da República de Justiceiros.