Nunca houve dúvidas quanto às dificuldades dessa travessia. Um certo entusiasmo somente poderia ser creditado à ingenuidade dos que costumam ignorar a realidade ou à razão interesseira dos que operam informações, ditas de mercado, com fins meramente especulativos.
Não é fácil enfrentar a reação enfurecida dos que foram defenestrados e, em seguida, privados das regalias do poder. Mais difícil ainda é gerir o terrível legado das administrações anteriores, mudando o plano de voo em pleno voo. Não tínhamos um governo; tínhamos um escândalo.
O que já foi feito na Travessia Temer é bem acima das minhas expectativas: PEC do equilíbrio fiscal, regras de governança das estatais, sensatos projetos de reforma educacional, previdenciária e trabalhista, restauração da Petrobras como empresa, redução significativa da inflação, etc.
É certo que a recessão e o desemprego são questões preocupantes, cuja solução requer, todavia, persistência e competência. Não há milagres nessa luta. O processo é inevitavelmente lento.
Essa lentidão não pode, entretanto, ser atribuída à Operação Lava-Jato e a outras voltadas para enfrentar a corrupção. Ao contrário, elas têm que ser louvadas como a mais eficaz iniciativa para eliminar relações promíscuas entre o Estado brasileiro, agentes públicos, políticos e empresas.
Essas operações prospectam o passado. E o passado, como se sabe, é fato que não se altera no presente. Pode ou não ser desvelado. O desvelamento, entretanto, é responsabilidade exclusiva de autoridades, cuja competência e probidade são indiscutíveis.
Meu único temor, em relação a essas operações, é o excesso. O orgulho exagerado, a insolência e a soberba são sentimentos perigosos. A violação da norma da medida – hybris, como diziam os filósofos gregos – quase sempre resulta em revés.
É imprescindível, pois, que haja comedimento nos atos praticados. Não esquecer, a propósito, a prescrição do jesuíta Claudio Acquaviva (1581 – 1615): fortiter in re, suaviter in modo (resoluto na ação, suave no agir).
Na Travessia Temer, avisto dois perigos à frente: o vazamento de informações (questão positiva) e os conflitos de competência entre os Poderes da República (questão normativa).
Tornaram-se triviais os vazamentos de informações resguardadas pelo dever de sigilo, conquanto sejam crimes tipificados no Código Penal (art. 325).
Dia após dia, a mídia divulga informações sigilosas, com completa naturalidade, a despeito de saber que suas “fontes” estão cometendo crime.
Essa prática criminosa é vista com alarmante indiferença, em desfavor do curso das investigações e, não raro, da reputação de homens de bem. Não há, contudo, nenhuma investigação séria e, em consequência, nenhuma punição.
Além disso, as informações vazadas, quase sempre, são tratadas de forma incorreta e escandalosa.
Caixa dois (omissão de receita) eleitoral e fiscal, corrupção ativa e passiva, por exemplo, são tipos completamente distintos.
Pode uma empresa ter feito uma doação legal e o candidato ter praticado ou não caixa dois. A doação, por sua vez, pode ou não estar vinculada à corrupção. Enfim, todas as combinações são possíveis.
A simples informação de que houve doação eleitoral nada significa.
No festim das delações e listas vazadas, criamos impropriamente um novo tipo penal: “foi citado”. A simples citação já é tida como uma condenação, o que faz a alegria dos culpados verdadeiros.
O princípio republicano da independência e a harmonia dos Poderes está sendo posto à prova, com crescente frequência.
Há queixas quanto à pretensão do Judiciário de cuidar de matérias tidas como de economia interna do Legislativo. As Medidas Provisórias quase nunca preenchem os requisitos de urgência e relevância, resultando em verdadeira usurpação da função legislativa.
Essa incerteza quanto aos limites dos Poderes revela uma deficiência normativa. Não seria oportuna a celebração de um pacto entre os Poderes visando produzir uma proposta de normas que prevenissem os conflitos institucionais?