A medida provisória 746/16 sobre a reforma do ensino médio está tendo uma enorme repercussão. Há dias que não se fala de outra coisa, com exceção das operações da Lava-Jato e, claro, das eleições municipais. Estas, porém, já eram esperadas, e a anterior se tornou estruturante, no caminho de seus três anos. A novidade, portanto, foi a proposta do Executivo de reformar o ensino médio.
As críticas a proposta do governo Temer são principalmente cinco: o açodamento, a redução do curriculum, a introdução do profissionalizante, a flexibilização e o ensino integral.
O ensino integral é uma demanda da maioria dos especialistas há muitos anos e, atualmente em implantação, embora muito lentamente. O que a MP ser propõe é acelerar o processo. Nada de novo.
A introdução do profissionalizante já foi amplamente discutido, e é uma prática crescente no mundo inteiro. O governo Lula inclusive o valorizou com investimentos significativos. Há alguns anos já se pode fazer o médio e o profissional, simultânea ou consequentemente. Aqui também se fortalece uma tendência mundialmente consagrada, mas em moldes distintos.
A flexibilização só não existe no Brasil. Absolutamente ultrapassado um corredor único e maçante para todos os tipos de jovens. Ninguém no mundo consegue pensar algo semelhante. O ensino médio, como o próprio nome diz, é meio para Universidade ou mercado de trabalho. E por isso ele tem que ter caminhos diferenciados, inclusive em relação aos cursos da Universidade.
A má qualidade do ensino médio no País é algo que se discute há mais de duas décadas, e na última tornou-se um desastre nacional. Centenas de debates a respeito já foram feitos em oficinas, seminários, congressos e simpósios por todo o País. Há uma farta literatura a respeito, embora condensada mais no diagnóstico do que nas proposições. Inclusive a ex-presidente Dilma chegou a falar da necessidade e urgência da matéria. Pensar em reforma via projeto de lei é tomar ainda pelo menos cinco anos para vermos sua implantação. E já estamos atrasados há pelo menos dez.
A crítica do açodamento é que a MP impediria a ampla discussão do tema. Como se o problema tivesse surgido ontem. Como se milhares de professores, especialistas e autoridades já não tivessem se manifestado a respeito.
Finalmente, a redução das disciplinas. A primeira conclusão dos diagnósticos é que o montante de disciplinas existente é demasiado. Diagnóstico comum, solução inicialmente comum – redução – mas, em verdade, com muitas divergências: o que reduzir? Cada corporação da sociedade se opõe a que a “sua” disciplina saia do curriculum obrigatório. Deve sair a da outra corporação. E os argumentos são os mais esdrúxulos.
Recebi um e-mail dizendo que tirar o espanhol era isolar o País do mundo. Um colega sociólogo diz que sem esta disciplina não se formam cidadãos críticos, tolice. E, assim por diante. O mundo inteiro tem dito e aprendido que a linguagem é o fundamental, o importante é aprender a estudar, pesquisar, resolver problemas, e desenvolver a criatividade. O importante não é memorizar informações e sim saber onde encontrar, discernir e relacionar em função do que se pretende alcançar.
O que surpreende não são as críticas, muitas delas de caráter puramente político-partidária ou ideológica. E que vão estupidamente persistir ao longo do debate da MP. Não me surpreende que a dita esquerda critique, ela, de conservadora, está caminhando para ser reacionária. O que me surpreende é outra coisa, o quão a reforma é tímida.
Não se toca no conteúdo, envelhecido e desconectado com o mundo dos jovens; não se toca na didática, sem valorização da pesquisa, da horizontalidade, da solução de problemas; não se toca na relevância da interdisciplinaridade, da criatividade. Não se toca na mudança radical que o filtro de ingresso em Universidades Públicas merece. Não se toca, sobretudo, na liberdade dos professores e estudantes a recriarem a escola em função de seus interesses reais.
Pergunta-se pouco sobre a utilidade, e necessidade, dos conteúdos aprendidos. Sobre a sua pertinência para os jovens entenderem e se inserirem no mundo, como cidadãos e profissionais. Recentemente, um estudante do ensino médio perguntou-me se sabia a diferença entre crônica argumentativa e dissertação argumentativa, tema de sua prova. Disse-lhe que não e imediatamente encaminhei a pergunta a amigos, jornalistas e escritores. Nenhum me deu a resposta correta. A maioria respondeu que não sabia. Este é um exemplo banal.
Todas as disciplinas estão repletas de coisas desta natureza. Mantem-se a rica experiência da aprendizagem sob o peso da burocracia disciplinar, do enciclopedismo superficial, o que o documento sobre a base curricular deverá consagrar. Não se espere outra coisa, a reforma de nossa escola ainda está por vir.