Deputados da Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados reclamaram do custo de remarcação e cancelamento de passagens aéreas em audiência pública nesta quarta-feira (10). Eles apontam ainda que as companhias não cumprem o direito de arrependimento previsto no Código de Defesa do Consumidor (CDC), que confere ao cidadão direito à devolução dos valores pagos quando se arrepende da compra de produto ou serviço em até sete dias após a compra feita por telefone ou internet.
Além disso, os parlamentares afirmam que há conflito entre esse dispositivo do código e resolução (400/16) da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) prevendo que a empresa deverá restituir integralmente o valor pago pela passagem quando o passageiro desistir do voo em até 24 horas após compra, desde que haja um prazo igual ou superior a sete dias para a data do embarque.
Vários deputados destacaram que o código está acima da resolução, e presidente da Comissão de Defesa do Consumidor, o deputado Jorge Braz (Republicanos-RJ) pediu que as empresas e a Anac cumpram o CDC.
O deputado Márcio Marinho (Republicanos-BA), que pediu o debate, disse que o pedido foi motivado por situação pessoal, em que tentou remarcar um voo, mas o valor da multa e da remarcação era “astronômico”, quase o dobro do valor da passagem, valendo mais a pena comprar um bilhete novo. Ele também reclamou de a passagem estar atrelada ao nome do passageiro, não podendo ser repassada a outro passageiro.
Além disso, Marinho ressaltou que o setor aéreo lidera o ranking de denúncias do site Reclame Aqui, que recebe queixas de brasileiros sobre empresas e serviços, e que muitas vezes o consumidor não recebe resposta no tempo previsto na regulamentação, que é de sete dias.
“Além do alto custo para cancelar ou remarcar as passagens, o consumidor também tem dificuldade para fazer esse cancelamento, pois não recebe as corretas orientações. O que as empresas estão fazendo para resolver essas questões junto aos clientes? É só abrir novamente o Reclame Aqui e ver que a falta de informações é um negócio triste”, disse.
Entendimento do Procon
O diretor-executivo do Procon de São Paulo, Wilton Ruas, confirmou que a resolução 400/16, da Anac, não prevê o cumprimento do prazo de arrependimento previsto no Código do Consumidor e permite multa excessiva por cancelamento ou remarcação de passagem. Segundo ele, cerca de 80% das reclamações recebidas pelo Procon-SP sobre o setor referem-se a esses dois pontos.
Ele disse ainda que a resolução da Anac prevê que a empresa deverá oferecer ao passageiro, pelo menos, uma opção de passagem em que a multa pelo reembolso ou remarcação não ultrapasse 5% do valor total dos serviços. Além disso, segundo o CDC, são nulas as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que estabeleçam obrigações consideradas abusivas que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.
Ruas confirmou que as empresas, em geral, retêm 100% do valor da tarifa no caso de remarcação de passagem, quando há compra de passagens promocionais, e isenta os passageiros de pagar as taxas de remarcação apenas no caso de compra de categorias de passagem mais caras.
“É o entendimento, portanto do Procon, que a empresa aérea não pode reter por exemplo 100% do valor cobrado da passagem, porque o contrato que estipula a perda total do valor pago sem o usufruto do serviço deve ser considerado abusivo na leitura do Procon”, disse.
Posicionamento da Anac
Diretor da Anac, Ricardo Catanant afirmou que fatores como a guerra da Ucrânia, valorizações do dólar e do preço do petróleo pressionam os custos do setor aéreo, que são repassados para os consumidores. Ele admite que as taxas de cancelamento e remarcação “absorvem o valor completo das passagens”, o que “não é bem aceito pelo consumidor”. Mas disse que o questionamento sobre a cobrança desses valores deve ser feito às empresas, já que o modelo adotado pelo Brasil é de liberdade tarifária.
Ele disse que antes de a agência aprovar a Resolução 400/16 havia uma série de decisões judiciais contrárias à aplicação do direito de arrependimento previsto no Código do Consumidor para a compra de passagens aéreas e que, para dar alguma garantia para o passageiro, a agência permitiu a desistência do voo em até 24 horas após compra.
“Nós não buscamos com isso confrontar ou negar a vigência ou a aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Essa é uma questão que continua sendo objeto de dissenso e que nós buscamos – e acho que o próprio setor, que busca segurança jurídica, quer – ver isso superado. Então seria interessantíssimo termos uma pacificação, seja via jurisprudência ou aqui mesmo no Congresso”, disse Catanant.
Segundo ele, caso uma decisão nesse sentido seja tomada, a Anac teria de tirar esse ponto da regulamentação. Na Câmara, tramitam algumas propostas que fixam percentual máximo de multa em caso de remarcação de bilhete aéreo (PL 1111/23 e outros).
Catanant afirmou ainda que a resolução da Anac exige que as empresas deem informações claras para o consumidor sobre taxas de remarcação e de cancelamento. E lembrou os consumidores de cobrarem a devolução das tarifas de embarque. “Em todos os casos de cancelamento de voo, o passageiro sempre faz jus à devolução das tarifas de embarque. Isso é pouco conhecido, isso tem que ser divulgado, a regulação da agência já trata disso”, observou.
Visão das empresas
Representante do Sindicato Nacional Empresas Aeroviárias e da Associação Brasileira de Empresas Aéreas (Abear), Jurema Monteiro afirmou que a política de liberdade tarifárias é pilar essencial para garantir a competição no setor, assim como o alinhamento internacional das regras. Ela garantiu que as empresas seguem o regramento do setor, que considera extremamente regulado.
Jurema Monteiro disse que o Brasil tem regras diferentes do resto do mundo no caso de cancelamento de voos por condições climáticas, sendo mais rígido com as empresas, e defende que o regramento avance nesse ponto. Conforme ela, muitas empresas ainda não vieram para o Brasil por conta da diferença das regras internacionais em alguns casos.
Ela citou o aumento expressivo de cancelamento de voos durante a pandemia de Covid-19, com sobrecarga das centrais de atendimento. E mencionou, porém, dados do portal consumidor.gov, mostrando que, no quarto trimestre de 2022, em relação ao quarto trimestre de 2021, houve queda de 44% no número absoluto de reclamações do setor e uma queda de quase 52% no índice de queixas a cada 100 mil passageiros transportados.
“Esses números apontam que a gente conseguiu estabelecer uma normalização dos serviços”, avaliou. Ela disse que o ideal é não ter reclamações, mas elas são naturais num serviço tão intensivo, com tantos usuários. “O número mais importante é que tivemos melhora de 12,4% na solução das reclamações”, acrescentou.
Assessor da presidência da Gol Linhas Aéreas, Alberto Fajerman ressaltou que o setor foi muito castigado pela pandemia, e que as tarifas promocionais só existem porque existem as tarifas mais caras, que têm benefícios em relação às mais baratas, como a isenção de taxa de remarcação de voo. Já o gerente Jurídico da Latam Linhas Aéreas, Rogerio Martes, reforçou que a empresa segue a liberdade tarifária e cumpre todas as leis e regulamentos aplicáveis, principalmente no que diz respeito ao direito à informação na oferta dos serviços.
Críticas dos deputados
O deputado Ivan Valente (Psol-SP) lembrou que, durante a pandemia, o Congresso Nacional “colocou dinheiro para socorrer o setor aéreo”. Ele disse que, neste momento, há piora na qualidade e elitização do serviço, destacando que não houve redução do preço das passagens com a cobrança pelo despacho de bagagem. Além disso, reclamou de que o consumidor só consegue falar com robôs.
O deputado Duarte (PSB-MA) criticou a Anac por não se posicionar em defesa do consumidor, lembrando que outros serviços começaram a ser cobrados, como o lanche para o passageiro, e a passagem só aumenta. Ele defende a aprovação de lei que fixe multa máxima de remarcação de bilhete aéreo. Roberto Duarte (Republicanos-AC) reclamou especialmente do valor dos voos para a Região Norte e defendeu a abertura de uma CPI das empresas aéreas, inclusive para investigar a Anac, já que considera a fiscalização precária.
Já o deputado Luis Carlos Gomes (Republicanos-RJ) lembrou que o presidente Jair Bolsonaro, por meio da MP 1147/22, zerou as alíquotas PIS e Cofins para as atividades de transporte até 2026, sem que houvesse retorno para a sociedade com a economia das empresas.
O deputado Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ), por sua vez, salientou que um dos problemas relatados para a remarcação de passagens é o tempo de espera de até seis horas para conseguir contato com a companhia. Ele disse que apresentará requerimento de informação ao Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a cobrança efetiva das multas aplicadas pela Anac às empresas aéreas.
A deputada Antônia Lúcia (Republicanos-AC) apontou que os aplicativos das companhias não funcionam devidamente e defendeu a revisão da Resolução 400/16 da Anac.
Defesa da desregulamentação
O deputado Gilson Marques (Novo-SC) discordou das propostas dos outros parlamentares, como CPI, mais regulação e tabelamento de preços. “Quanto mais regulamentação, mais burocracia, mais se afasta novos players. Não vão vir novas empresas, mais empreendedores, quando o serviço é extremamente regulamentado, burocrático como já é no Brasil”, opinou.
Ele disse que novas regras e exigências tornariam o serviço mais custoso. “A única coisa que vai fazer com que o serviço seja melhor é fazermos o contrário: desregulamentar, facilitar, desburocratizar, não fazer uma série de exigências, para que o mercado seja mais livre e atrativo”, completou.
Fonte: https://www.camara.leg.br/noticias/960296-deputados-reclamam-dos-altos-custos-em-servicos-de-remarcacao-e-cancelamento-de-passagens-aereas/