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Thiago de Aragão: Riscos e oportunidades do setor de tecnologia para a China

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Em 1982, o então Presidente Deng Xiaoping fez uma visita à sede do Partido Comunista Chinês, em Nanning, no sul do país. Em meio às conversas sobre uma abertura capitalista, Deng disse que, para que a China acelerasse sua modernização, o modo de pensar os negócios teria que conter pouco pensamento comunista clássico e muito pensamento regulatório.

Impossível dizer se essa visão de Deng Xiaoping foi incorporada de uma forma decisiva ao processo de desenvolvimento econômico , mas vimos durante muito tempo esse formato de desenvolvimento aplacando a ansiedade americana de que a China seguiria o rumo da União Soviética.

Por mais que os Estados Unidos acreditassem que o “capitalismo” chinês levasse a um ambiente mais favorável à democracia, não foi o que vimos nos últimos anos, quando Xi Jinping vem tomando decisões que geram dúvidas sobre o futuro próximo político da República Popular da China.

Pequim começou uma série de ações ostensivas contra algumas empresas de tecnologia, aumentando sua intervenção e diminuindo a autonomia dessas empresas ao operar fora do país, o que gerou um ambiente de incertezas para o investidor estrangeiro, principalmente o americano, e levou o Securities Exchange Committee (SEC) a rever a forma pela qual determinadas empresas chinesas ingressam na Bolsa de Nova York.

A empresa Didi, dona da 99Taxis no Brasil, por exemplo, foi questionada e multada pelo governo chinês por conta do seu manuseio de dados, o que resultou para ela em perda de valor de mercado em NY e o aumento de volatilidade de empresas de tecnologia chinesas listadas nos EUA.

Naturalmente, a SEC não gostou, já que entende que o Partido Comunista Chinês trouxe um elemento de instabilidade e risco para essas empresas que não pode ser monitorado de forma aberta por investidores.

Não só isso, Pequim está tomando medidas e adotando comportamentos cada vez mais duros contra empresas de tecnologia de todas as categorias. Um jornal estatal publicou nesta semana um artigo sobre como os jogos online se transformaram no “ópio dos jovens”. Essa matéria teve impacto direto na queda no valor das ações da Tencent em NY.

Não se trata apenas da Tencent, Didi ou Alibaba (que foi multada em quase 3 bilhões de dólares e teve seu IPO vetado pelas autoridades chinesas), mas sim de toda a lógica do Partido por trás da gestão tecnológica no país. A narrativa utilizada aqui pode ser uma de segurança de dados, similar à utilizada nos Estados Unidos e em países europeus. Na prática, a atuação chinesa transfere (à força) para o controle do Partido a autonomia de mercado que algumas empresas chinesas imaginavam ter após o longo processo de abertura.

Importante ressaltar que a China atual não está habituada a ter a tecnologia de serviços e entretenimento como uma força motriz de sua economia. As últimas décadas foram baseadas no crescimento industrial de fabricação de bens específicos.

A expansão chinesa na área de serviços oferece oportunidades enormes para o Partido, mas também traz riscos à sua própria existência. Entre as oportunidades, inclui-se a expansão de soft power tecnológico, com mecanismos que possibilitam acesso e coleta de dados, ocupado historicamente por uma faceta do mercado americano.

Entre os riscos, devemos enfatizar as dificuldades de controle que o Partido teria no monitoramento e na restrição de determinados dados e informações, podendo levar a uma expansão de narrativas antigoverno dentro da própria China. As empresas chinesas de alto valor agregado são consideradas um ativo estratégico para o governo. Os IPOs e as adaptações a que essas empresas teriam que proceder para se adequar aos regulamentos de mercado nos EUA e na Europa tendem a ser bons para as empresas (mais lucro) e ruins para o Partido (menor poder).

Nessa bifurcação, o governo chinês terá de optar entre ocupar um local de destaque no mercado global tecnológico (se adequando às regras do mercado global), ou restringir seus crescimentos para não perder o controle sobre suas ações.


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