Reflexões sobre o duelo entre dois políticos gestados nas entranhas da ditadura militar. Fontes de temores e amores, Bolsonaro e Lula são dois populistas poderosos que, na ausência do moderado desconhecido, dependerão do centro assimétrico para vencer e governar
A depender dos humores fluidos e antagônicos dos juízes que compõem a Corte Máxima nativa, o Brasil terá em breve dois pugilistas peso pesados na arena política. De um lado, o presidente Bolsonaro. Do outro, o ex-presidente Lula.
Cada um começará a contenda com uma vasta torcida mais ou menos organizada a lhe aplaudir cada lance. Com uma boa dose de irracionalidade, milhões de brasileiros a gritar “Com Bolsonaro, onde ele estiver”, “Com Lula, onde ele estiver”.
Entre as duas turbas, um amplo contingente assimétrico, com algum grau de desconforto, poderá mais uma vez decidir a batalha. A primeira vez foi em 2018. A segunda poderá ser em 2022.
Na ausência do moderado desconhecido – que tentaria catalisar o centro amorfo, aderirá ao que lhe parecer menos repulsivo. Ou mais conveniente.
Caso os juízes supremos decidam que réus em segunda instância (condenados por, no mínimo, 4 magistrados) possam recorrer até o olimpo da Justiça (restrito a ricos e poderosos), o Brasil será palco de luta figadal. Comandantes de batalhões adestrados, ambos almejarão o centro vultoso.
Batalha de titãs inédita, confrontará dois populistas em tempos de redes antissociais. Em comum a ambos, o despertar de amores e temores.
Bolsonaro terá a seu favor o controle do Estado. Por mais que desagrade até mesmo aliados que se desencantaram, cabe a ele conduzir o País rumo ao crescimento econômico, meta ansiosamente esperada após cinco anos de PIB mambembe.
Sua tarefa primordial para se manter no poder é reduzir o desemprego, manter a inflação baixa e expandir a renda. Trunfos para disputar a reeleição.
Nesta seara, resta à Lula torcer para que a economia definhe ou continue empacada. Mas, como são variantes que não domina, fará o que sabe melhor: política.
Eis uma diferença entre ambos. Enquanto Lula tem tino político (noves fora a Lava-Jato), Bolsonaro é carente deste quesito.
Para se manter no poder, Lula se alinha com quem preciso for. Enquanto o atual mandatário parece desprezar formas convencionais de aliança política, Lula não cometeria o equívoco político de guiar um governo pelas brigas e birras de seus rebentos.
Livre da cadeia, Lula tentará em primeiro lugar reagrupar a chamada esquerda. Tirante Ciro Gomes, que busca voo solo, o restante dela deve estar disposta a abrir mão de ideais. A perspectiva do poder embaça as convicções.
Passo seguinte, ou concomitante, Lula flertará com o centro. Para capturá-lo, ele tem dois trunfos.
Primeiro, todas as lideranças já foram suas aliadas. O segundo é o medo e a incerteza que Bolsonaro desperta. Afora sua turma, as demais já perceberam a inconstância como marca de seu governo.
A incerteza em relação ao porvir do Governo Bolsonaro desperta calafrios. Lula, por seu turno, provoca tremores naqueles que veem no capitão-mor a perspectiva de represar a volta do lulismo.
Lula terá três anos para convencer aliados e empresários ressabiados de que mudou mais uma vez. Repetirá que é uma metamorfose ambulante.
Em algum momento, talvez diga que a prisão e a eleição de 2018 o fizeram refletir. Aos 74 anos está mais maduro e mais preparado do que nunca para consertar o Brasil. Desta vez, sem os erros do passado.
Quem espera um Lula incendiário, provavelmente se frustrará. Este não é o seu perfil. Ao longo de sua extensa trajetória política, soube se adaptar, corrigir rumos, buscar novos caminhos.
Além disso, incendiar o País interessa ao seu principal opositor, não a ele. Lula tentará provar que, ao contrário do oponente, não tem tendências atrabiliárias.
Neófito no poder, Bolsonaro despertará as maiores incertezas. Ocupante da planície por 27 anos, ele mesmo tateia os desvãos dos palácios presidenciais.
Em seu favor, possui os instrumentos para implantar o liberalismo e reduzir a violência. Terá que aprender a manuseá-los. Ou aprender a confiar em sua equipe.
Claro, cenários a depender, primeiro, dos juízes supremos. Em seguida, da economia. Depois, daquela massa gigamensa e silente chamada genericamente de centro.