Voltou à discussão na última semana a possibilidade de se trocar o sistema de governo do Brasil por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). A ideia, defendida pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), é que o presidencialismo seja substituído pelo semipresidencialismo ou pelo parlamentarismo. A proposta, que valeria apenas a partir de 2026, diminuiria os poderes do presidente da República, que passaria a ser apenas chefe de Estado, e criaria a figura do primeiro ministro, chefe de governo, que efetivamente teria o papel de governar a nação. Hoje, o presidente da República é tanto chefe de Estado como chefe de governo.
O primeiro-ministro teria seu papel vinculado ao Congresso – assim como em países parlamentaristas, como o Reino Unido, em que a permanência do chefe de Governo depende da construção de uma maioria no Parlamento, e trocas em momentos de crise não são raras.
Ideia não é nova
A ideia não é nova, ela ressurge toda vez que o Brasil passa por um momento de crise institucional. Isso porque, para os defensores do semipresidencialismo, um processo de impeachment acaba sendo traumático para o país, criando polarização e enfraquecendo a democracia.
Além de Lira, outras figuras também defendem a troca do sistema de governo, como o ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, e o ex-presidente Michel Temer (MDB). A troca para o parlamentarismo também é uma das bandeiras do PSDB, que trabalhou ativamente pela implantação do sistema durante o governo de Fernando Henrique Cardoso.
Em 1993 um plebiscito chegou a ser feito para definir qual seria o sistema adotado no país. O presidencialismo venceu o parlamentarismo com 69.20% dos votos. Anteriormente, em 1963, no governo João Goulart, um outro plebiscito já havia sido realizado, com mais de 80% da população optando pelo presidencialismo.
Posteriormente, deputados apresentaram uma PEC propondo o sistema que dá mais força ao Congresso. A discussão da constitucionalidade da PEC foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF), após questionamento de deputados do PT. O processo nunca teve uma decisão definitiva, uma vez que foi registrada desistência dos autores. Ainda assim, vale destacar que o STF não acatou o mandado de segurança pedindo que a tramitação da PEC fosse impedida.
Decisão anterior não impede nova tentativa
O episódio serve de comparativo porque os argumentos utilizados, na época, eram os mesmos adotados hoje contra a alteração no sistema. Era dito que o povo brasileiro já se pronunciou por meio do plebiscito e que a proposta atentava contra as cláusulas pétreas da Constituição.
Marcelo Weick Pogliese, advogado especialista em direito eleitoral, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep) discorda que haja impeditivo. “Não entendo que a decisão plebiscitária de 1993 tenha inviabilizado a possibilidade de novo debate e deliberação, pelo Congresso Nacional, sobre implantação do parlamentarismo ou do presidencialismo. Não há previsão constitucional ou legal que impeça o enfrentamento do tema sistema de governo, depois de 28 anos daquela consulta popular”, defende.
Na avaliação do jurista, se a mudança fosse inconstitucional, o próprio resultado do plebiscito de 1993 seria inválido, caso o resultado fosse a favor do parlamentarismo.
“Sistema de Governo (presidencialismo, parlamentarismo ou semipresidencialismo) não viola quaisquer dos incisos do parágrafo quarto do art. 60 da Constituição Federal”, pontua, citando o artigo que trata das cláusulas pétreas.
Parlamentarismo enfrenta dificuldades políticas
Mesmo que uma PEC pela troca do sistema político consiga tramitar sem encontrar dificuldades na Justiça, é improvável que a ideia avance no Congresso. Assim como o PT se posicionou contra a mudança em 1993, grande parte da esquerda hoje ainda resiste ao projeto.
Para o cientista político e CEO da Arko Advice, Murillo de Aragão, a proximidade do ano eleitoral pode impedir o avanço da proposta. Além disso, a população não está convencida de que é uma boa ideia entregar mais poder nas mãos do Parlamento.
“Há um desprestígio do Congresso perante a sociedade, então a tramitação da proposta pode encontrar oposição popular e isso, de alguma maneira, enfraquece o debate. Por outro lado, o fato é que temos um semipresidencialismo de fato, que pode ser aperfeiçoado por meio de ajustes pequenos, não necessariamente por meio de uma emenda constitucional que pode suscitar embates intensos”, analisa.