Mesmo em meio à pandemia, estamos crescendo, aumentando a arrecadação e as exportações, expandindo a oferta de crédito, com uma bolsa de valores perto de 130 000 pontos, mantendo reservas e produzindo safras recordes. São aspectos positivos que o país consegue oferecer e preservar.
No entanto, nosso resultado poderia ser muito melhor. Como? Bastava ter havido certas decisões corajosas dos poderes públicos, que, por covardia ou omissão, não ocorreram. A pandemia trouxe a possibilidade de atacarmos problemas centrais que nos acorrentam aos séculos XIX e XX. Mas nossas respostas são lentas e inconsistentes, pois existem interesses poderosos que querem que fiquemos no passado.
A recente decisão de inflar o fundo eleitoral para perto de 6 bilhões de reais é um exemplo. Um país pobre que debate migalhas para programas sociais e para o fortalecimento do Sistema Único de Saúde não pode se dar o luxo de desperdiçar tanto e sob o controle de poucos. Mas, infelizmente, esse não é o único problema.
A simplificação do sistema tributário, promessa solene da equipe econômica que só agora está sendo ensaiada, após sistemática sabotagem corporativista, é outro exemplo da demora em jogar a favor do país. A correção da tabela do imposto de renda, que não é feita desde 2015, deveria ser assegurada automaticamente ao contribuinte. Não como uma concessão.
A resistência ao fim dos privilégios na administração pública — que chantageia com a precariedade de serviços públicos com uma qualidade que, em sua maioria, não existe — é outro exemplo. O que justifica o condômino Brasil sustentar privilégios à custa da cidadania?
Mas não paramos por aí. Mesmo quando o governo age, outras forças o paralisam. Como no debate sobre as regras da cabotagem e das debêntures de infraestrutura, que avançam a passo de cágado no Congresso, sonegando ao país a possibilidade de expansão de investimentos importantes. Nossa sociedade dorme diante do tamanho do problema e da oportunidade de soluções.
Como escrevi aqui em outras oportunidades, a última década não foi perdida. Tivemos avanços significativos, que se desdobram, porém em uma velocidade que impede o uso de nossa potencialidade. Nossas elites e nossas autoridades são omissas e lenientes com o atraso nas soluções. O governo Bolsonaro — que prometia atacar alguns fundamentos do atraso — está ficando pelo meio do caminho por causa de suas inconsistências, equívocos e falta de visão estratégica.
O Congresso, que mostra visão reformista em algumas ocasiões, tem recaídas sérias em direção ao arcaísmo, como na demora em votar temas relevantes e na proposta absurda de inflar o fundo eleitoral. O Brasil é melhor do que parece e muito pior do que poderia ser.
A correção de nossos rumos e o aprofundamento de nosso desenvolvimento econômico e social dependem do setor privado e das forças da sociedade, que devem se mobilizar, apoiar, criticar e se engajar nos debates correntes.
A pandemia ainda está no ar e a saída dela do país deixará sequelas que se somarão a outras de nosso passado. Sem uma ação decisiva de posicionamento por parte da sociedade, continuaremos a correr atrás de um imenso prejuízo e a brincar com a própria sorte.
Este texto foi publicado, originalmente, na Veja, edição nº 2748