Um olhar crítico sobre as razões do impeachment de Dilma


Pelo menos sete episódios ajudaram a criar as condições para o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, sendo parte deles produto de erro político e parte decorrente da estratégia da oposição e de setores do mercado. Num eventual novo mandato do PT, os erros devem ser evitados a qualquer custo.

O primeiro tem relação com a postura do governo e de seus aliados frente as manifestações de junho de 2013.

As forças de esquerda e os movimentos sociais, excluídos da direção dos protestos por seus supostos vínculos com o governo, subestimaram e desqualificaram as manifestações de junho de 2013. E as respostas governamentais, por sua vez, não corresponderam às expectativas da população.

Equivocaram-se. Naquela oportunidade milhões de pessoas foram às ruas para protestar nas dimensões de eleitor, de contribuinte, de usuário de serviços públicos e de consumidor. Só não protestaram na dimensão de trabalhador porque havia pleno emprego.

E, ao contrário do que pensaram o governo e parcela da esquerda, os cidadãos foram às ruas pedir mais governo, mais Estado, mais serviço público de qualidade e, portanto, mais política. Contudo, não reconheciam nos governantes de turno a capacidade de, efetivamente, atender a essas demanda, e, por isso, rejeitaram a intervenção ou a mediação de lideranças políticas já estabelecidas.

O segundo tem a ver com a rejeição do mercado à interferência do governo nos negócios privados, especialmente nas margens de lucros dos bancos e dos concessionários de serviços públicos.

O governo já vinha sendo contestado pelo mercado financeiro, que estava furioso com a redução das taxas de juros e do spread bancário, e logo esse descontentamento chegou ao setor produtivo, especialmente os concessionários de serviços públicos.

Os marcos regulatórios – tidos como intervencionistas – dos setores de energia, petróleo, gás e telecomunicações, que levaram a redução da margem de retorno e congelaram as tarifas de seus produtos e serviços, motivaram o apoio desse segmento empresarial ao processo de impeachment.

O terceiro está relacionada à recusa da oposição em reconhecer o resultado das urnas de 2014, tendo judicializado o resultado e denunciado abuso de poder econômico. A pequena margem de votos que garantiu a vitória de Dilma e a elevada taxa de abstenção passaram a ideia de que o Governo eleito não tinha representatividade suficiente para continuar no poder.

O quarto deve-se ao fato de que o governo foi eleito com um discurso à esquerda do espectro político e formou uma equipe econômica de direita, com os mesmos discursos e práticas dos adversários da candidata reeleita.

Isso, além de ampliar a contestação ao governo, inclusive entre setores que antes o apoiavam, imobilizou os movimentos sociais, decepcionados com os rumos do governo, que passaram a ver nas medidas adotadas, como a reforma das pensões e do seguro desemprego, e a ameaça de uma reforma da previdência, como um caso de estelionato eleitoral.

O quinto tem a ver com a denúncia da oposição, de parte da mídia e de setores do mercado de suposta maquiagem das contas públicas, com supostas práticas de pedaladas fiscais e de suposto descontrole do gasto e desequilíbrio nas contas públicas. O discurso que acusava o governo de perdulário e irresponsável fiscalmente levaram o TCU a rejeitar as contas de 2015 do governo Dilma, fato inédito na história desde 1937.

O sexto tem dupla motivação: o estilo pouco amigável (e até mesmo desrespeitoso) da Presidente, que não dialogava com o Congresso nem com o mercado, e a briga do PT com Eduardo Cunha, que foi eleito presidente da Câmara e adotou clara postura de confronto com o Governo, articulando “pautas bomba” e ampliando benefícios fiscais para diversos setores.

O presidente da Câmara abriu o processo de impeachment por dois tipos de vingança. Uma contra o fato de o governo ter indicado e apoiado um candidato para disputar com ele a presidência da Casa. E outra em retaliação ao fato de o PT ter votado contra ele no Conselho de Ética, fato que, posteriormente, levou à sua cassação.

O sétimo tem a ver com o movimento moralista-justiceiro que atribuía ao governo a responsabilidade pela suposta degradação moral do País, fornecendo o pretexto ou o elemento mobilizador do Congresso e da população a favor do processo de impeachment. A Operação Lava-Jato foi decisiva para que o Governo (e o PT) passassem a ser vistos pela mídia e setores da sociedade como um antro de corrupção e uma organização criminosa que deviam ser extirpados da vida pública.

Nesse quesito o governo falhou feio, porque ao contrário do que se diz, foram os governos do PT que ampliaram a transparência na relação do Estado com a sociedade e com mercado, aprovando um conjunto de leis, sem as quais seria impossível o trabalho da Lava-Jato, por exemplo.

Na última década houve uma redução significativa da cultura do segredo, com a aprovação e a incorporação ao ordenamento jurídico brasileiro de uma série de leis e emendas à Constituição voltadas para ampliar a transparência, o controle, o acesso à informação e o combate à corrupção:

  1. Lei da Transparência, que obriga a disponibilização, em tempo real, dos gastos governamentais nos três níveis (Lei Complementar 131/2009, conhecida como Lei Capiberibe);
  2. Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/2010);
  3. Lei de Captação de Sufrágio, que aceita a evidência do dolo para efeito de cassação de registro e de mandato (Lei 12.527/2011);
  4. Lei Geral de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011);
  5. Lei de Combate à Lavagem de Dinheiro (Lei 12.683/2011);
  6. Lei de Conflito de Interesse (Lei 12.813/2013);
  7. Lei de Responsabilização da Pessoa Jurídica ou Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013);
  8. Lei da Delação Premiada ou lei que trata de organizações criminosas (Lei 12.850/2013); e
  9. Emenda Constitucional do voto aberto na cassação de mandatos e apreciação de vetos (E.C. 76/20013).

Além disso, nunca os órgãos de fiscalização e controle (PF, CGU, TCU, MPU, COAF etc) tiveram tanta liberdade para atuar como na última década. Foi transferida para estes órgãos, que antes atuavam como instituições de governo e passaram a atuar como instituição de Estado, uma série de atribuições e prerrogativas que antes eram exclusivas de Comissões Parlamentares de Inquéritos – CPIs.

Estas, em síntese, foram as razões que motivaram e sustentaram o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff: uma disputa entre governo e mercado; outra do governo do PT contra o presidente da Câmara; e o movimento moralista-justiceiro como elemento mobilizador da população e dos parlamentares em favor do impeachment.

Em eventual novo mandato do PT, esses episódios devem servir de lição, especialmente para evitar os erros cometidos. Deve voltar a dialogar com o Parlamento, com o mercado e com a sociedade, os três principais vetores de cooperação ou de resistência ao governo e ter uma relação transparente e respeitosa com os órgãos de fiscalização e controle.

(*) jornalista, consultor e analista político, diretor de documentação do Diap e Sócio-Diretor da Queiroz Assessoria Parlamentar e Sindical.

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