Na esteira das crises fiscais, que integram a irresolvida crise econômica internacional, estão surgindo proposições que pretendem mimeticamente reproduzir modelos clássicos de eficácia cada vez mais questionada ou receitas miraculosas que objetivam não só debelar a crise fiscal, mas ao mesmo tempo resolver os problemas da humanidade.
As exóticas teses de Thomas Piketty para enfrentar o problema das desigualdades, verdadeiras pérolas da duvidosa literatura tributária francesa, inspiraram, no Brasil, uma retomada das discussões sobre a tributação das heranças, inclusive com a apresentação de projetos no Congresso.
Argumenta-se que aqui as heranças são pouco tributadas, tendo como paradigma o que ocorre nos Estados Unidos e em alguns países da Europa Ocidental.
A comparação é frágil por várias razões. Em oposição à alegada tese, vários países economicamente relevantes (Noruega, Suécia, Canadá, Rússia, Luxemburgo, China, Índia, México, Austrália) não tributam a herança, em virtude de especificidades do seu sistema tributário.
Ao contrário do que ocorre em outros países, no Brasil a herança é tributada não apenas por um imposto específico (ITCMD), com alíquotas máximas de 8%, mas pelo imposto de renda incidente sobre ganhos de capital, que a partir de 2017 terá incidência progressiva de até 22,5%. Além disso, aqui não são admitidas deduções, que nos Estados Unidos podem chegar a 50% da alíquota nominal.
Esses fatos atestam, mais uma vez, que os sistemas tributários de cada país guardam peculiaridades, que traduzem suas circunstâncias históricas e culturais, o que torna precária a pretensão de transpor acriticamente modelos de um país para outro.
A excessiva tributação sobre heranças encerra, também, controvérsias de natureza conceitual.
A primeira delas é inerente a qualquer tributação excessiva. Essa forma de incidência propicia invariavelmente evasão fiscal, descaminho ou planejamento tributário abusivo, ilicitudes de natureza oportunista que são estimuladas pela perspectiva de ganhos elevados, capazes de compensar os riscos da prática delituosa.
É fato corriqueiro, nas aquisições de imóveis por estrangeiros nos Estados Unidos, a recomendação dada pelos especialistas para que realizem a operação mediante constituição de uma pessoa jurídica, preferencialmente com sede em paraíso fiscal, visando prevenir, na sucessão, a incidência do imposto sobre heranças.
Na Alemanha, trava-se uma discussão judicial sobre a incidência do imposto sobre heranças na sucessão de empresas familiares de pequeno porte, muito comuns naquele país. A tributação, no caso, poderá resultar na indesejada extinção da própria empresa.
Em contraste, no Brasil optou-se pela possibilidade de diferimento do ganho de capital, incidente sobre heranças de bens imóveis, para o momento de sua respectiva alienação, desde que mantido o valor constante da declaração, que integra o inventário. Evita-se, assim, uma possível e desarrazoada necessidade de alienação do imóvel para pagar o imposto.
O argumento de correção de desigualdades por meio de uma pesada tributação das heranças é um insubsistente. Sabe-se apenas que, inicialmente, haveria um confisco de riqueza, sem que necessariamente resulte em proveito dos mais pobres. Logo em seguida, uma legião de bons profissionais iria “planejar” a sucessão, invalidando a pretensão de tributar.
Não parece, ademais, ser uma boa regra admitir a tributação da herança dos que passaram a vida acumulando poupança para prover seus herdeiros, confrontada com a desoneração dos que a consumiram. Afinal, a poupança teve por fundamento o afeto pela família. Deveria esse afeto ser onerado com uma tributação excessiva?
De tudo que se disse, não cabe concluir que se deva desonerar a herança. O que se condena é o excesso, como se constata nos projetos em discussão no Congresso.
Se fosse possível, melhor seria tributar a herança maldita, enfrentada pelo atual governo. As burras do Tesouro estariam generosamente abastecidas, por décadas.