Rodrigo Janot se equivoca e Michel Temer sobrevive


“Me acuse do que quiser, apenas não erre a forma, pois a forma é maior do que você”. Foi assim que o vendedor William Blackwell respondeu a um advogado que o acusava de furto, quando na verdade, sua raiva era pelo fato de sua esposa ter se apaixonado por Blackwell. Isso ocorreu na Escócia do início do século 19, mas a situação de hoje no Brasil pode, em certo grau e medida, ser aplicada à relação entre o Presidente Michel Temer e o Procurador Geral da República, Rodrigo Janot.

As especulações, em muito superam a realidade. Ainda mais no Brasil, onde a opinião publicada faz o papel da opinião pública e os textos jornalísticos se tornaram páginas pessoais de Facebook. No entanto, por mais que o Palácio do Planalto acredite que há uma perseguição pessoal de Janot contra o Presidente e o Procurador acreditar que houve algo explícito e não implícito no áudio, as cartas estão postas na mesa.

Estratégias de Guerra

Na batalha de estratégias, a de Temer foi mais eficaz (como podemos constatar) e menos ingênua do que a estratégia de Janot. Este, que manteve e mantém a equipe trabalhando 15 horas por dia para montar as acusações, pode ter se ancorado demais na opinião publicada e faltou com a tecnicalidade necessária para convencer os parlamentares. Ora, desejando que a acusação prosperasse, Janot deveria ter escrito um texto para os parlamentares, e não para a imprensa. Este foi o erro número um.

“O Procurador errou ao acusar Aécio dentro do mesmo período temporal do que Michel. Ao fazer isso, impediu a saída do PSDB, que estava na corda bamba e transformou uma luta entre PMDB vs PSDB em Legislativo vs PGR”, é a opinião de um parlamentar tucano que, era a favor da saída do governo.

De fato, essa visão era antecipada por alguns analistas profissionais e amadores em Brasília. Noites de charutos e vinhos em restaurantes tradicionais da cidade eram palco de intensos e técnicos debates sobre as estratégias de cada lado. A unanimidade a respeito do erro de Janot em colocar Aécio dentro do período temporal de Temer era clara: o impeachment de Dilma nos ensinou que um governo só acaba quando implode, não quando explode.

Legislativo Vs. Judiciário

Pelo lado do Palácio, a estratégia não foi tão simplista como a oposição tentou demonstrar. A liberação de emendas sempre tem um papel grande, enorme até, na “democracia” brasileira. No entanto, houve elementos adicionais que asseguraram a vitória. No momento que a PGR envolve o PSDB em uma denúncia paralela, rumores de que outros partidos e parlamentares cairiam na mesma vala se espalharam como um incêndio. Isso foi o suficiente para reagrupar o exército “legislativo” em posição de combate contra o exército “judiciário”.

A voz das ruas

Além disso, a PGR, erroneamente, acreditou que a denúncia geraria uma onda de protestos pelo Brasil, tornando a situação dos que votariam a favor de Temer insustentável. Não foi e nunca seria o caso. “Os protestos, mesmo os mais orgânicos, precisam de preparação. Precisam de um esforço estratégico nas redes sociais que, para esse caso específico, não existia”, disse um ex-membro de um dos principais grupos organizadores dos protestos no impeachment de Dilma. Essa análise de comportamento social e redes sociais, ninguém fez dentro da PGR.

Há também o fator tempo. A primeira denúncia, observando o curto período que sobra para Janot, calhou de ocorrer no momento que o parlamento entraria em recesso. Ao contrário do ambiente de “levante popular” que a PGR esperava, o que se viu foi uma articulação intensa em Brasília. Muitos parlamentares governistas não viajaram de férias e montaram a estratégia do governo de votos ao longo do mês de julho. O tempo era aliado do Palácio e não da PGR.

Devemos observar os seguintes fatores que foram de importância suprema para o Palácio e que não foram contabilizados na estratégia da PGR:

1. Economia menos ruim

O quadro econômico de leve melhora é determinante para transformar a insatisfação em reação. Quando houve o escândalo do mensalão, ninguém foi às ruas protestar porque estavam satisfeitos com a economia. A economia em queda livre também foi determinante para ressaltar os erros de Dilma. A leve melhora no ambiente econômico põe atos de insatisfação em stand-by. Além disso, esse foi um fator importante para desmotivar parlamentares a votar a favor da acusação: “Estou votando a favor de Meirelles”, disse um tucano que foi contra a acusação.

2. Desaprovação desmobilizada

Como exemplificado acima, a desaprovação recorde do Presidente Temer não se traduz em mobilização, mas em passividade. Cientes de que o risco calculado de votar contra a acusação era baixo, parlamentares não tiveram receio.

3. Quórum elevado

A oposição, coadjuvante do começo ao fim deste processo, depositou sua estratégia no quórum baixo e não no convencimento dos governistas que estavam em dúvida. A polarização é tão intensa, que tentar mudar a cabeça de governistas não passou pela cabeça dos brilhantes articuladores da oposição.

4. Denúncia tecnicamente fraca

Não sou eu que digo, mas a visão geral de muitos parlamentares era essa. Buscando auxilio de opinião de diversos advogados de Brasília, muitos compreenderam que a acusação era “midiaticamente forte, juridicamente fraca”, como disse um pemedebista. Já um oposicionista do PT foi mais direto ainda: “A denúncia estava mais focada nos acompanhamentos do que no prato principal”, querendo dizer que protestos, imprensa e opinião pública complementariam.

5. Falta de alternativa mais clara

A grande dúvida de hoje caso Temer saia da Presidência é: quem ocuparia seu lugar? Essa dúvida não existia com Dilma, mas o simples fato de existir é o suficiente para colocar muitos com o pé para trás. Não por conta de amores ou lealdade ao Presidente, nada disso, mas pelo fato de estarmos a um ano das eleições. “A pauta de muitos que estavam e estão a favor de aprovar a acusação é a tese das diretas. Isso contamina o ambiente e faz os que estão em dúvida votarem a favor do Presidente”, foi a leitura precisa de outro parlamentar pemedebista.

Ninguém sabe ao certo se Blackwell havia furtado algo ou não. Mas no direito de hoje e no direito de ontem, a forma está acima de todos os homens que interpretam as leis. O cuidado de Moro na Operação Lava Jato é resultado da correção do erro de forma exibido na Operação Castelo de Areia. A forma com que a acusação foi apresentada estava errada, na opinião da maioria. Com mais tecnicalidade e estratégia institucional, a acusação de Janot talvez tivesse sido aprovada. O que fica é: quando se aplica a lei, esquece-se o fígado e o coração, pois apenas a cabeça importa.

Publicado na GQ em 10/08/2017

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