Reforma política e eleições municipais


Correio Braziliense – 21/08/2015

Antes de entrar em recesso, a Câmara dos Deputados aprovou, em votação de segundo turno, a Proposta de Emenda Constitucional da Reforma Política (PEC nº 182/07). O fim da reeleição para mandatos executivos e a inclusão na Constituição de regras de financiamento de campanha, como doações de empresas, foram as principais mudanças. Em relação ao financiamento, os limites propostos são de 2% do faturamento das empresas e de 0,5% do faturamento para cada partido com teto, em números absolutos, de R$ 20 milhões nas doações. Também entrou na PEC nº182 um limite ao acesso ao fundo partidário e à propaganda partidária, a chamada cláusula de desempenho. Só poderão receber recursos do fundo e terão acesso ao rádio e à televisão as legendas que tenham elegido para o Congresso ao menos um deputado ou senador. É um avanço, mas insuficiente para reduzir a fragmentação partidária.

As alterações ainda precisam ser votadas em dois turnos no Senado antes da promulgação. Os deputados continuaram a tratar do assunto poucos dias depois, dessa vez para iniciar a discussão dos destaques do projeto de lei (PL nº 5.735/13) que regulamenta a PEC em nível infraconstitucional. A discussão concentrou-se nas alterações contempladas nas regras relativas ao tempo de tevê usado pelos partidos e ao financiamento privado. “Essas são as questões que têm mais impacto no processo eleitoral”, observou o relator do PL, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Há propostas do PT e do PPS para suprimir o financiamento de empresas privadas. Se aprovadas, elas provocariam mais uma das reviravoltas registradas durante o exame da matéria. Assim, por se tratar de tema polêmico, a apreciação ficou para este mês. Sem contar que resta ao Senado fazer a sua parte.

Considerando o princípio da anterioridade ou da anualidade eleitoral (art. 16 da Constituição), que proíbe a aplicação de norma que altera o processo eleitoral promulgada ou sancionada menos de um ano antes do pleito, assim como o andamento truncado dos projetos que englobam a chamada reforma política, as eleições municipais de 2016 não devem ser atingidas por nenhuma das mudanças propostas. O que é lamentável. Nem mesmo o — já aprovado no Senado — voto distrital para vereadores em cidades de até 200 mil habitantes entrará em vigor, por conta do desinteresse da Câmara em votar a matéria.

No entanto, temos, no mínimo, três novidades muito importantes que tendem a afetar as eleições municipais do ano que vem e que independem da votação da reforma política pelo Congresso Nacional. A primeira delas é o efeito da Operação Lava-Jato sobre a doação de recursos para partidos e candidatos. É certo que ocorrerá grave escassez de recursos. Doadores tradicionais estão fora do jogo e os que não foram envolvidos terão medo de doar. A Operação Lava- Jato está criminalizando as doações, mesmo as realizadas de forma legal. Vale lembrar o que é dito sistematicamente pelo ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa toda vez que o chamam para depor: “Não existe almoço de graça”.

A outra novidade é a possibilidade de detentores de mandatos decorrentes de eleições majoritárias mudarem de partido, já que o Supremo Tribunal Federal decidiu, em ação direta de inconstitucionalidade, julgada em maio deste ano (ADI nº 5.081), que somente deputados e vereadores eleitos pelo sistema proporcional devem perder os mandatos se mudarem de partido sem justa causa.

Na prática, isso significa que prefeitos que disputam a reeleição podem mudar de partido a qualquer tempo sem risco de perderem o mandato. Tal entendimento também alberga os senadores e governadores, já que eles são eleitos pelo mesmo sistema. Diretamente beneficiada pela decisão foi a senadora Marta Suplicy. Ela se desfiliou do PT em abril deste ano e, embora tenha sido proposta contra ela ação de perda de cargo eletivo perante a Justiça Eleitoral, Marta não corre perigo, dado o conceito de infiel delineado pelo STF (apenas os eleitos pelo sistema proporcional). A propósito, noticia-se que a senadora Marta Suplicy considera disputar a prefeitura de São Paulo pelo PSB ou pelo PMDB.

Outra possível novidade é o término do julgamento da ação direta de inconstitucionalidade proposta pela OAB (ADI nº 4.650), na qual se busca a proibição de doações de pessoas jurídicas a partidos políticos, candidatos e campanhas eleitorais. O julgamento está suspenso em razão do pedido de vista do ministro Gilmar Mendes, mas a maioria já está formada (seis votos pela proibição de doação).

Caso o julgamento da ação seja concluído sem que o Congresso aprove a PEC que trata do financiamento de partidos políticos e de campanhas, prevalecerá a decisão do Poder Judiciário, pelo menos nas próximas eleições municipais. Portanto, considerando o quadro, conclui-se que mais uma vez as circunstâncias e o próprio Poder Judiciário afetarão mais o desenho institucional e legal do processo eleitoral que norteará o próximo pleito do que as deliberações do Poder Legislativo.

*Com contribuição de Angela Cignachi

 

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