Diante de certos assuntos, especialmente aqueles que exigem julgamento mais elaborado e análise cuidadosa, os brasileiros são mais crédulos. A máxima “todo político é ladrão”, por exemplo, é uma verdade absoluta para muitos, sem levar em conta o reconhecimento da grave culpa do eleitor. Logo, a Operação Lava-Jato, que tem meu apoio veemente, tornou-se o grande pilar de transformação do país. A Lava-Jato passará, outras virão e continuaremos sem mudar nosso sistema eleitoral, um dos mais nocivos do mundo.
Já em relação à Operação Carne Fraca, nossa atitude foi diferente. Somos um povo churrasqueiro. O escândalo, ainda que rico em imagens midiáticas, não desencadeou o ódio que a Lava-Jato gerou direcionado à classe política. Por mais que mexesse diretamente com a saúde de famílias inteiras. As manifestações se avolumaram nas redes sociais, alguns memes, como o espeto com papelão na brasa, são fantásticos. Por que o brasileiro é tão seletivo na hora de se revoltar?
A carne não saiu do cardápio
Certamente o país não parou de comer carne, mesmo diante das denúncias de corrupção, funcionamento irregular da indústria e existência de produto contaminado. Com certeza as churrascarias não ficaram vazias, nem os consumidores sustentaram uma blitz sobre a origem do produto nos supermercados e açougues Brasil afora. Quando a imprensa começou a tratar do tema, o fato de as exportações terem sido afetadas ganhou um protagonismo muito maior do que a questão sanitária e explicações sobre existência de ácido ascórbico ou papelão na industrialização da carne.
A reverberação foi de tal intensidade que paralisou o governo e levou o presidente da República a atuar pessoalmente na solução da crise. Ele convocou reuniões extraordinárias em pleno fim de semana, dialogou com autoridades de países importadores e convidou diplomatas para um almoço no qual, depois de provar, serviu a carne e seguiu trabalhando duro para desmontar a trapalhada da Polícia Federal.
Indignação seletiva
Nos lares, nos supermercados, na internet, porém, a revolta foi seletiva, embora uma revolta sobre temas indiretos não deva ser uma especialidade. Obviamente é nosso dever protestar contra o fato de a Odebrecht doar milhões a políticos com dinheiro de que se apropriou da Petrobras. A indignação diante da qualidade da carne ou das verduras atoladas de agrotóxicos que comemos deveria ser maior ainda. Uma não exclui a outra, pois a comida que servimos aos nossos filhos implica uma capacidade destruidora maior para o futuro do que as propinas distribuídas pela Odebrecht.
Triunfe a Lava-Jato e sejam os políticos corruptos cozidos em seus próprios caldos. Não fechemos os olhos para a lerdeza e a ideologização da Anvisa, a morosidade de vários serviços de inspeção, a saúde que não passa da sombra de um sistema e para educação sobre a alimentação nas escolas. Alimentar não é só matar a fome, é também ajustar o cronômetro individual de cada um até o fim da vida.