Em seu notável romance, A festa do Bode, Mário Vargas Llosa descreve o ambiente político na República Dominicana, em 1961, sob a implacável tirania do generalíssimo Trujillo. A ação da narrativa ocorre no momento em que os rebelados comunistas, de barba e bigode, copiados dos vizinhos cubanos, decidiram matar o tirano. Os norte-americanos mandam a Marinha cercar a ilha para evitar que o pessoal de Fidel Castro exercesse qualquer influência naquele teatro.
O discreto advogado Joaquim Balaguer vai se movimentando até alcançar o poder. Quieto, sem maiores espalhafatos, ele chega lá. Os rebeldes, no melhor estilo latino, dão vivas à revolução, enchem a cara de rum, vivem romances voluptuosos, matam o ditador, acertam o motorista e naturalmente são presos. E aí o poder começa a pular de cadeira em cadeira até chegar aquele pacato advogado. Sempre sob o olhar atento dos norte-americanos.
No Brasil, de hoje, não há um cerco evidente de norte-americanos. Mas as condicionalidades do mercado financeiro funcionam de maneira parecida. Afinal de contas, a ex-presidente Dilma Rousseff começou a cair quando seu governo se mostrou incompetente para reverter a recessão e o desemprego devastadores que haviam tomado toda a economia nacional.
Ninguém, contudo, votou em Michel Temer para presidente da República. Seus principais auxiliares são parlamentares, uns com mandato, outros sem. Mas, pertencem a uma espécie rara: são operadores políticos com longa experiência.
Cada um tem sua história. Jamais trabalharam juntos na atual dimensão e intensidade. O governo Temer é a resultante deste esforço. Cada um puxa numa direção. E o presidente não é um líder. Ele transita entre as várias alas de sua administração, tratando de aparar arestas aqui e ali e vencer os tremendos obstáculos colocados pelo Ministério Público à sua frente. Trata-se de um governo completamente diferente dos antecessores. É um encontro de vontades que nem sempre apontam na mesma direção.
A relação com a imprensa é notável. Cada ministro e assessor de alto nível no Palácio tem seu jornalista preferido. As notícias oficiais e supostamente sigilosas vazam sem qualquer cerimônia. O porta-voz não tem o que portar. As notícias chegam às redações antes de desembarcar na sala de imprensa do próprio Palácio do Planalto. Isso faz parte do jogo político.
Cada um dos polos de poder, existentes no governo, tem objetivos próprios e rumos definidos de acordo com a sua estratégia na região onde possui influência política. Trata-se de uma administração algo errática. Faz e desfaz com a maior naturalidade.
É uma colcha de retalhos partidária. É preciso trabalhar apoiado em todas as legendas para alcançar os objetivos pretendidos. Temer deverá ultrapassar a denúncia proposta por Rodrigo Janot, que também trabalhou com base em vazamentos seletivos por intermédio de uma boa turma de assessores de imprensa. O objetivo era fazer circular gravações, rumores e boatos e colocar a República em estado de sobressalto. Conseguiram.
Temer não cai porque manobra bem no Congresso Nacional. Sua turma entende do riscado e também porque não há adversário em posição de assumir as responsabilidades da Presidência da República. Há muito de pragmatismo no momento atual da política brasileira. Ao que parece, a segunda denúncia de Janot deverá ser o último obstáculo a ser ultrapassado pelo presidente. Depois disso, ele terá que lutar pelas reformas anunciadas e trabalhar para organizar a eleição de 2018.
Não há candidatos definidos até agora. Temer já disse que o PMDB deverá ter um nome para apresentar aos eleitores. Difícil, mas não impossível. Esse grupo, experimentado e veterano de tantas guerras, sobrevivente porque não está atrás das grades, terá oportunidade de construir uma candidatura. Talvez seja este o único momento em que o grupo poderá caminhar junto e na mesma direção. Gente com tamanha experiência na política não pretende entregar o poder para qualquer arrivista que aparecer no horizonte.
Não há, até agora, candidaturas consolidadas à Presidência da República. O grupo que resistiu ao MPF ficou mais forte e capaz de construir um candidato com chances de vitória. O esporte de engolir sapos, sem reclamar, permitiu que o grupo agisse como Juan Balaguer, na República Dominicana. Discretamente, manobrou para sentar na cadeira presidencial e se preparar para desenhar o futuro político do país.