LEGISLAÇÃO DO ICMS: A PREFERÊNCIA PELO PIOR


A marcha da insensatez, no Brasil, ainda prossegue, sem que se vislumbre seu fim. Nesse quadro, impressiona a insistência por projetos mal elaborados, fruto de uma peculiar combinação de improviso e incompetência. A Constituição de 1988, no âmbito de sua índole exageradamente analítica, qualificou como internas as operações do ICMS de natureza não presencial, efetivadas com contribuintes residentes em outros Estados.

À época, as operações não presenciais eram pouco significativas. Hoje, ao contrário, têm um volume expressivo, com tendência a crescimento. Por isso, quando realizadas com contribuintes residentes em outros Estados, deveriam integrar o universo das operações interestaduais, cuja arrecadação é partilhada entre os Estados nelas envolvidos.

A Emenda Constitucional nº 87, de 2015, procurou sanar essa deficiência. A forma negligente como a matéria foi tratada no Legislativo, com olímpica indiferença da União, contudo, produziu algumas pérolas.

Estabeleceu-se que a Emenda só produziria efeitos a partir do exercício subsequente ao da sua promulgação (2016, portanto), iniciando-se o processo gradual de partilha em 2015!

Os secretários estaduais de Fazenda deliberaram, com base em uma desconhecida competência, que a partilha somente teria início em 2016, como forma de contornar a patacoada constitucional.

REFORMA DO ICMS

Ninguém, entretanto, cuidou de disciplinar a norma, em vigor desde 1º de janeiro de 2016. Assim, os operadores do comércio eletrônico passaram a submeter-se à exigência de inscrição em todos os Estados, de acompanhamento das respectivas alíquotas e legislações, e da burocrática expedição de documentos de arrecadação para trânsito de mercadorias.

Caso não sejam superados esses entraves, a nova sistemática terá dado uma boa contribuição para deter o crescimento do comércio eletrônico. A regularização de ativos constituídos ilicitamente no Exterior, na esteira do que fizeram muitos países, é uma boa providência.

A recém sancionada Lei nº 13.254, que disciplinou a matéria, contudo, é uma caprichosa coleção de excentricidades: cria desnecessariamente um regime especial, com uma parafernália de normas que a tornam complexa e confusa; institui, por lei ordinária, imposto novo sobre uma espécie particular de ativos, de natureza provisória, com incidência retroativa e o denomina pitorescamente de ganhos de capital, sem que haja transferência patrimonial entre contribuintes; estabelece uma multa vinculada ao imposto de renda (ganhos de capital) e a dissocia da destinação que a Constituição prevê para os Fundos de Participação dos Estados e dos Municípios, e para os Fundos Regionais; fixa uma alíquota (imposto mais multa) de 30%, porém manipula a base de cálculo, remetendo-a a 31 de dezembro de 2014, o que produz, considerado o câmbio atual, uma alíquota efetiva de 20%, privilegiando os titulares de ativos irregulares, em desfavor dos que cumpriram suas obrigações; prevê que a declaração não poderá ser utilizada “como único indício ou elemento para efeitos de expediente investigatório ou procedimento criminal”, o que certamente vai provocar uma imensa curiosidade no Ministério Público e prováveis questionamentos no Judiciário.

Em uma tentativa de encobrir o ostensivo desvio de recursos dos fundos constitucionais, conforme o projeto encaminhado pelo Executivo, o Congresso destinou o produto da arrecadação da multa aos Fundos de Participação, sem estabelecer, contudo, a proporção da partilha – aliás, já prevista na Constituição.

O Executivo vetou a iniciativa congressual, arguindo que pretendia destinar os recursos a um fundo de compensações de um mal alinhavado projeto de reforma do ICMS.

Afora a inconstitucionalidade, o veto parece zombar da explosiva crise fiscal dos Estados e Municípios.

Já as medidas que vêm sendo propostas para enfrentamento da crise fiscal revelam uma completa indisposição para lidar com a redução de gastos e uma defesa ardorosa demais tributos, desde o sorvete até a CPMF. É a preferência pelo pior.

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