A soberba precede a ruína,
e a altivez do espírito precede a queda.
Provérbios, 16, 18
A presidente Dilma Rousseff tem pouco menos de três anos para evitar ser retratada pela história como a mandatária que malbaratou dois importantes legados erigidos por seus antecessores. Não é muito tempo considerando a atual dimensão do estrago causado à vida econômica e social do país e a imprevisibilidade para calcular o fundo do poço.
Sob a égide de Fernando Henrique Cardoso, então ministro da Fazenda (1993-1994), e do presidente Itamar Franco (1992-1994), um grupo de economistas debelou a inflação (que chegou aos 80% mensais). Quem viveu o período antecedente ao de Itamar, quando a hiperinflação parecia dragão incontrolável e era presença inescapável no angustiante cotidiano das compras, tem a dimensão do que representou a façanha. A iniciativa catapultou FHC à presidência da República por oito anos (1995-2002).
Foi, então, a vez de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010). Em seus dois mandatos, Lula seguiu, com maior ou menor vigor, a vereda da estabilidade da economia, alicerçada pelos dois mandatários que o antecederam. Foi além quando empenhou seu capital político na distribuição de renda. Mais do que promover a transposição de milhões de cidadãos da classe E para as subsequentes, D e C, Lula deixou como legado a prioridade estatal com os mais pobres e os miseráveis.
A estabilidade econômica e a distribuição de renda – afora a condução do Estado por civis, obra coletiva e inestimável de uma geração – pareciam estar agregadas como tríade basilar do Brasil contemporâneo, pós-ditadura militar, de forma irrevogável. Pareciam?
Bem, parecem ainda. Mas, a princípio, tudo que é erguido pode ser posto abaixo. Depende, por óbvio, do construtor e dos síndicos a quem caberá preservar a obra. E, no Brasil, em que pese nosso sistema presidencialista híbrido, onde o parlamentarismo bruxuleante resplandece aqui e ali, o presidente é quem decide.
Sim, senhora presidente
Eis que volvemos à mandatária que comanda o país desde 2011. Comandar, para Dilma Rousseff, não é letra morta. Foi ela quem decidiu arriar a taxa básica de juros, a Selic, para vê-la outra vez no pináculo do financismo. Também coube à presidente rebaixar o custo da energia elétrica a níveis popularescos e, pouco depois, resignar-se com o gravame da “conta de luz” novamente no topo do desmazelo inflacionário. Nos dois casos, onerando sobretudo as classes econômicas menos favorecidas, que padecem com a alta do desemprego e da inflação.
Nestes dois tropeços administrativos, a presidente revelou sua personalidade voluntarista e atrabiliária. Diferente do que postula a administração moderna, o contraditório parece não fazer parte de seu dia a dia. Para ser ouvido sem que destemperos fossem lançados de encontro, o cortesão dispunha de um vocativo imposto: “Sim, senhora presidenta”. Quem desdenha da objeção, foge de admoestações pertinentes.
Itamar, mas principalmente Lula e Fernando Henrique, cultivavam diferença vital com Dilma no comando da política econômica. Mais do que seres políticos, todos gostavam de fazer política – viés que, ao que tudo indica, é traço pálido na senhora que ora nos governa.
Num sistema onde o parlamento enxuto, com menos partidos, já é difícil de conduzir, a hodierna proliferação de legendas aos borbotões torna a tarefa coisa de experts. Esta expertise indica que ouvir é predisposição sine qua non na política. Porém, os relatos que se avolumam sugerem que a mandatária não tem essa vocação.
A ausência desse pendor, por exemplo, inibe-a de adotar como rotina o convívio direto com lideranças partidárias. Tivesse essa propensão, ela poderia ter cogitado outra atitude quando esteve no Congresso Nacional em fevereiro desse ano para ler a mensagem do Executivo aos parlamentares.
Obstada, em seu pronunciamento, pela deputada oposicionista Mara Gabrilli, Dilma perdeu a oportunidade de convidar a cadeirante, que angaria múltiplas simpatias, para uma audiência. Não seria um disparate, pois a presidente é líder de um partido que, em busca da hegemonia, acolheu próceres da política suspeitos de praticar malfeitos.
Diante da degradação política, econômica e social, conjunção nunca antes vista na história da República, há que se esperar reação inédita. Três anos podem ser pouco para obliterar por completo as mazelas que se abatem sobre o país. Esse tempo, no entanto, pode ser suficiente para preservar conquistas que já deveriam estar incorporadas ao ideário de uma nação democrática e em busca da igualdade de oportunidades e direitos para todos.