Publicado no aplicativo da Revista Exame em 07/06/2016
A cada dia que passa, a temperatura aumenta em Brasília. Nesta terça-feira, o procurador-geral da República pediu a prisão de pesos-pesados do porte de Eduardo Cunha, José Sarney, Renan Calheiros e Romero Jucá. A manchete de amanhã é imprevisível. O fato é que, passados 30 dias, o governo de Michel Temer coleciona acertos e uma série de erros evitáveis. Mas, para sorte do presidente interino, as tormentas que o afligem são constrangedoras, mas estão longe de serem fatais.
A grande questão é que novas turbulências políticas vão continuar ocorrendo. A horizontal e imprevisível Lava-Jato não permite que nem Temer nem Dilma comandem governos estáveis. Quem ficar após agosto continuará sofrendo. A opacidade do poderio econômico nas campanhas eleitorais criou um buraco negro gigantesco entre o Congresso e a sociedade civil. O corporativismo, como se viu na recente votação do reajuste de salários de diversas categorias de servidores, escandalizou o homem comum. É extremamente difícil tomar decisões que agradem, ao mesmo tempo, ao mundo político e ao mundo real. O que fazer?
Não existe receita ou fórmula perfeita. É preciso governar com um olho nas ruas e outro no Congresso. As demissões, hesitantes e sem muito ímpeto, de Romero Jucá e Fabiano Silveira podem não ter garantido o apoio total dos parlamentares ou da sociedade, mas pelo menos não irritaram imensamente nem um nem outro. Nosso pragmático – quando lhe convém – presidencialismo de coalizão não permite ceifar de antemão o apoio de partidos ou políticos investigados, como espera a sociedade.
O que joga a favor de Michel Temer são as variáveis além da Lava-Jato: a capacidade de dialogar com o Poder Legislativo de maneira eficiente, o apoio – bem maior do que o da adversária – do mercado e do empresariado, e, é claro, a equipe econômica, considerada pelos operadores financeiros anos luz à frente da de Dilma. Na opinião deles, Meirelles, Mansueto, Parente, Maria Sílvia, Paulo Rabello, Ilan e companhia são indiscutivelmente melhores que os times escalados anteriormente.
No entanto, nem só de estrelas se faz uma equipe econômica vencedora e nem só de bons resultados econômicos um governo se sustenta. No Brasil o sucesso econômico depende do sucesso político, pois a fragmentação partidária, o parlamentarismo de ocasião, o presidencialismo de coalizão, o corporativismo e as tênues relações de poder dominam o processo decisório.
Em outras palavras, apenas a política salva. Quem não souber fazê-la, não terá sucesso. Parafraseando Platão: “Os que não gostam de política, simplesmente serão governados por aqueles que gostam”. Dilma não gosta. Acabou sendo governada. Sua falta de apetite e desinteresse político, aliados ao péssimo desempenho econômico, foram as motivações do impeachment. Os motivos foram as pedaladas e os créditos suplementares.
Apesar da convivência problemática com aliados envolvidos com a Justiça, do jogo de cena de senadores ameaçando mudar de lado, da intensa pressão clientelista, da tensão constante gerada pela Lava-Jato, do vai e vem decisório e da dificuldade de comunicar-se bem na crise, Michel Temer cultiva um refinado gosto pela política. Perante um tribunal onde o júri é político e vive da política, é isso que o salvará.
A aprovação da DRU em primeiro turno na Câmara dos Deputados é um exemplo da maior capacidade de articulação política do governo interino. Sete legendas votaram 100% com o Planalto (PEN, PHS, PMB, PPS, PRP, PRTB e PSL). O apoio do PMDB também foi expressivo: 87,87%. Um número bastante superior ao respaldo nominal com o qual Dilma contava no Congresso.
Para efeito de comparação, utilizo um estudo feito em 2015 pela Arko Advice. Medimos o nível de apoio da antiga base aliada na Câmara. O PT apoiou o governo em votações de interesse do Executivo em 75% das situações. O PMDB, em 53%. O PP, 40%. Em uma Casa onde o maior partido não passa dos 66 deputados e são necessários 308 para mudar a Constituição, estava bem claro que a governabilidade caminhava para o total esfacelamento já em 2015.
A sorte do comandante licenciado do PMDB é que ele não precisa ser brilhante para vencer a segunda batalha do impeachment. Basta mostrar um pouco mais de disposição política e bom senso econômico do que a rival. Poderá, inclusive, cometer erros, alguns evitáveis e outros não, porque a coleção de disparates da antecessora, muito mais danosa do que o mais grave deslize do vice, ainda está vibrante na cabeça dos 81 Senadores.
Justa ou não, essa é a leitura do Senado Federal que, por ora, prefere o bate-cabeça e o vai e volta de Michel Temer à porta trancada de Dilma. Prefere o livre acesso ao 4o andar do Palácio – a Casa Civil de Padilha – ao bunker de Mercadante quando ocupava o mesmo cargo. Escolhe o confortável status quo da política brasileira tradicional em vez do estilo carrancudo, turrão, pouco brasileiro, da mandatária recolhida ao Palácio da Alvorada.
Ela e o que resta do desmonte do PT ainda tentam a cartada final: como nem os aliados acreditam que a presidente tenha condições de presidir, Dilma voltaria exclusivamente para convocar novas eleições. Falta combinar com o TSE, única instância capaz de legitimar tal solução.
Caso se tente mudar a Constituição, algo pouquíssimo provável pela simples falta de votos, será preciso combinar com o Supremo, que certamente barraria proposta tão estapafúrdia. Novas eleições, só em caso de vacância do cargo de presidente e vice, diz a regra clara da nossa Carta. Um atalho via PEC criaria um precedente perigoso.
Claro que em política, diferentemente de alguns artigos da Constituição, nada é pétreo. Como dizia o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan “no Brasil, até o passado é imprevisível”, mas salvo fato extraordinário, em julho (ou agosto) o Senado Federal confirmará Michel Temer como presidente do Brasil até 2018.