A Lei da Ficha Limpa, criada por meio de iniciativa popular com 1,3 milhão de assinaturas, com o intuito de combater a corrupção eleitoral, entre outras práticas, passou por uma importante modificação de entendimento no recente julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF).
O tribunal decidiu que as contas de prefeitos e governadores, para serem rejeitadas, precisam ter a aprovação de 2/3 das Câmaras municipais ou Assembleias estaduais. É a politização de uma decisão que deveria ser técnica pois trata diretamente de gastos analisados e periciados pelos tribunais de contas municipais e estaduais que eram, anteriormente, os únicos responsáveis pelo julgamento de certas contas.
O ministro do Supremo, Luis Roberto Barroso, afirmou no pronunciamento do seu voto vencido: “Se o prefeito, em lugar de pagar o fornecedor, colocar o dinheiro no bolso, o julgamento das suas contas não pode ser político, mas sim técnico. Ninguém pode dizer: ‘Eu sou ladrão, mas tenho maioria na Câmara Municipal.’”
Já o também ministro do STF, Gilmar Mendes, em seu voto à favor da mudança criticou com firmeza a Lei da Ficha limpa, dizendo: “Sem querer ofender ninguém, já ofendendo, essa lei foi tão mal feita que parece que foi feita por bêbados”.
A questão gira em torno da diferenciação entre contas de governo e contas de gestão. As contas de governo são relacionadas ao cumprimento do orçamento, planos e programas de governo, são então, uma medida da atuação do Chefe do Executivo. Segundo a Constituição, cabe à Casa Legislativa o julgamento das contas de gestão a partir do parecer do Tribunal de contas.
As contas de gestão, no entanto, referem-se não aos gastos globais mas a cada ato administrativo que compõe a gestão contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial e que devem obedecer aos princípios de legalidade, legitimidade e economicidade. Até o julgamento, cabia exclusivamente aos tribunais a análise e julgamento das referidas contas.
Com a mudança do entendimento da lei pelo STF a maioria de prefeitos e governadores considerados inelegíveis poderá escapar da punição, bastando conseguir aprovação ou simplesmente omissão de análise das contas pelas Câmaras de Deputados e Assembleias Legislativas.
A decisão do STF abre espaço para um esvaziamento de sentido e de aplicabilidade da Lei da Ficha limpa e tem repercutido negativamente, principalmente com a aproximação do início da campanha das eleições municipais.