Ao estudar Chernobyl, o pesquisador do Centro Edgar Morin, Alfredo Pena Vega, elaborou a seguinte tipologia das catástrofes: visíveis/invisíveis, programadas/acidentais e curtas/longas. Sendo que os tipos podem se combinar. A ação terrorista em Paris, por exemplo, é uma catástrofe de grande visibilidade, programada e de longa duração. Suas consequências devem se estender e se disseminar por algum tempo e em vários países.
Os países do Norte devem articular suas ações de inteligência para enfrentarem os riscos advindos do Estado Islâmico, muito mais que um Estado. Afinal, o terrorismo das correntes fundamentalistas do Islã nasce de um conjunto de erros dos países ocidentais, que data dos anos 1930. Aos quais, provavelmente, se somarão outros. Afinal, os erros resultam da arrogância ocidental que impede a percepção correta da natureza do fenômeno.
A catástrofe de Mariana parece ter as mesmas características. Em primeiro lugar é visível. E de uma feia visibilidade. A exploração de minas de ferro implica na produção de rejeitos que são armazenados em barragens e contêm essencialmente terra, areia, água e resíduos de ferro e manganês. O rompimento de barragem provoca um mar de lama que se espalha sem controle. São milhões de litros/cúbicos, no caso, mais de 50 milhões.
Seu depósito no rio Doce e seus afluentes impede o uso das águas e sua oxigenação, produzindo mortandade na flora e na fauna. Milhares de peixes são mortos. Milhares de pessoas são privadas do uso de suas águas. As matas ciliares são destruídas. Os sedimentos assoreiam os rios, tornando imprevisíveis as consequências dos futuros regimes pluviais intensos. Em terra, os rejeitos produzem um verdadeiro deserto, pois não contêm matéria orgânica, o que impede qualquer plantio.
A lama dos rejeitos continua até o mar, provocando mais mortes. Em particular porque a costa do Espírito Santo é ricamente piscosa. E persiste, com as chuvas conduzindo novos metais ao mar. A catástrofe tem o desenho de um largo traço, desdobando-se no tempo e levando a morte e o sofrimento em seus braços.
Em segundo lugar, contrariamente ao terrorismo, é acidental. Discute-se, no entanto, a pertinência desta característica. O Brasil tem 14.966 barragens de diversos tipos: reservatório para abastecimento humano, geração de energia e armazenamento de rejeitos minerais e industriais, 86% não tem classificação de risco.
Em conformidade com a lei (12.334/2010) as barragens, quando solicitadas pelo órgão fiscalizador, devem ter um Plano de Ação de Emergência (PAE). No caso, o órgão fiscalizador é o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) que tem em seus quadros poucos técnicos capacitados para a fiscalização de 663 barragens minerais.
Neste ano foram realizadas 151 vistorias. Não sei se a Samarco tinha um PAE para a mina Germano. Mas, se tinha de pouco serviu, pois não foi aplicado para reduzir seus efeitos e prevenir os habitantes do distrito de Bento Rodrigues e de Paracatu. O descaso parece tão grande que não é absurdo se perguntar se a catástrofe de Mariana foi acidental. Afinal, uma catástrofe programada não é apenas aquela consciente e voluntariamente realizada, mas também a que resulta de desleixo e irresponsabilidade do ser humano.
Finalmente, é uma catástrofe de longa periodicidade. Não é uma catástrofe que ocorreu, mas que está ocorrendo: a lama continua a percorrer o rio em direção ao mar. E que continuará a ocorrer por um bom tempo, com seu poder destrutivo sobre a natureza prolongando-se por muitos anos. Os sofrimentos humanos persistirão por um bom tempo, pois nem a empresa, nem as autoridades públicas tomarão as medidas justas, no tempo correto.
Alguém poderia dizer que estou sendo injusto. E seria verdade se não tivesse assistido este filme várias vezes. Não em relação a catástrofes desta magnitude, que felizmente não ocorrem todos os dias, mas em relação as pequenas catástrofes que compõem o dia a dia de nossa população. Afinal, a presidente levou sete dias para sobrevoar a região atingida pela catástrofe, a Samarco não tem plano de Emergência, o DNPM não fiscaliza, e a catástrofe continua, e continuará por décadas.