A descoberta do pré-sal, em 2007, a obtenção de investment grade, em 2008, e os elevados preços de petróleo a partir de 2007 (com exceção de 2009, em razão da crise) foram uma conjugação de astros que permitiram ao governo iludir a todos, mesmo à experiente classe política, com aceno de alteração na distribuição dos royalties sobre a produção de petróleo. O governo usou com maestria este “momento mágico” para aprovar o regime de partilha em 2010, que na prática reinstalou o direito exclusivo da Petrobrás de explorar novas áreas licitadas. A intensa propaganda do pré-sal e do regime de partilha e a promessa de que a imensa riqueza a ser produzida pertencia aos brasileiros garantiram ao governo a sua vitória na eleição presidencial de 2010.
Completados cinco anos da aprovação do regime de partilha, o imbróglio dos royalties continua, a Petrobrás foi arrasada pelo governo e nenhum recurso do pré-sal foi destinado para as áreas de saúde e educação, apesar de o governo ter arrecadado R$ 15 bilhões em bônus de assinatura na licitação de Libra, em 2013.
Após a vitória eleitoral de 2010, o governo perdeu qualquer cerimônia em usar a Petrobrás como um cheque especial para todas as suas necessidades, como pude relatar em detalhe nos três primeiros artigos desta série Blindando o futuro e reparando o passado. E quais foram as consequências? No período de dezembro de 2010 a setembro de 2015, a dívida líquida da Petrobrás aumentou R$ 340,3 bilhões e seu valor de mercado se reduziu em R$ 202 bilhões. A dívida líquida atual da Petrobrás é de R$ 402,3 bilhões e representa 4,1 vezes o seu valor de mercado.
Sempre vista como “campeã nacional” e usada como instrumento de política de governo, a Petrobrás foi sendo desviada de seu foco ao longo dos anos para atender a interesses conjunturais ou setoriais. A Petrobrás é um monopólio vertical e horizontal no mercado de energia no Brasil. Será que é possível ser eficiente e competitiva em todas as áreas em que atua? É factível administrar este imenso e diversificado conglomerado de setores e empresas?
O governo justificou suas intervenções na Petrobrás por ela ser uma empresa de economia mista. Importante ressaltar que objetivos de interesse público não se confundem com interesses político-partidários. O artigo 116 da Lei das S.A. é bem claro quanto aos deveres e responsabilidades do acionista controlador para com demais acionistas e stakeholders. O artigo 117 vai além e diz que “o acionista controlador responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder”.
Sempre prosperou no Brasil a ideia de que o monopólio é algo que protege a Petrobrás dos americanos, dos alienígenas… Sempre que você tem uma estrutura monopolista, seja pública ou privada, cria-se uma atmosfera apropriada para a ineficiência e a corrupção. O remédio é dar transparência e respeitar as regras e a lógica do mercado e, consequentemente, os acionistas minoritários e demais stakeholders.
É preciso encerrar o ciclo em que as decisões em torno da Petrobrás quase sempre são tomadas de forma ideológica e política e passar a uma nova era em que predominará a racionalidade econômica. Com isso, a empresa passará a beneficiar os brasileiros distribuindo expressivos dividendos que poderão ser usados pelo governo em setores relevantes e carentes de investimentos.
Não há dúvida de que houve grande falha na governança corporativa da Petrobrás. O artigo 154 da Lei das S.A. diz que “o administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa”.
É urgente que a governança corporativa da Petrobrás não fique limitada a códigos, regulamentos e publicidade. É necessário o cumprimento da Lei das S.A. e de seu estatuto. Os administradores precisam praticar e disseminar esses valores na empresa. Do contrário, não tenham dúvida de que novas Lava Jatos virão e a sociedade brasileira seguirá iludida com o mito de que a Petrobrás e o petróleo são nossos.