Avanços da reforma política ficaram aquém do necessário


*Com Ângela Cignachi Baeta Neves, advogada especialista em Direito Eleitoral.

Como natural, a reforma política avançou em 2015, a exemplo dos anos anteriores. E como seria de esperar, o resultado ficou aquém da necessidade. Salvou-nos, da precariedade do debate legislativo, as decisões do Supremo Tribunal Federal e os efeitos colaterais da operação “lava jato”. Assim, o que foi feito em 2015 legará um cenário eleitoral para 2016 muito diverso do verificado nas últimas eleições. Nas próximas linhas, informamos as principais mudanças e as possíveis consequências que elas produzirão nas eleições do ano que vem.

Após muito debate, o Congresso conseguiu aprovar, no máximo, uma “reforma eleitoral”, já que a Lei 13.165 não altera na essência o sistema político previsto na Constituição. Limita-se a rearranjar as leis infraconstitucionais — tarefa tradicionalmente cumprida nos anos que antecedem as eleições — que regulam o processo eleitoral.

Isso ocorreu a despeito da pressão exercida pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Não deu certo. No domínio legislativo, poucos foram os avanços. Foram estabelecidos tetos nominais de despesas de campanha para candidatos e proibida a doação de pessoa jurídica por decisão do STF, sem contar restrição aos gastos com publicidade do governo.

O tempo de propaganda também foi diminuído, mas há controvérsias sobre seu real benefício, já que premia os candidatos à reeleição, naturalmente mais conhecidos, em detrimento de novos nomes em disputa. O lado positivo que ninguém contesta: reduzindo-se o tempo, reduzem-se também os gastos.

Entre os retrocessos, talvez o maior tenha sido a instituição da chamada “janela” para a troca de partido por parte dos parlamentares, o que nada mais é do que uma exceção à regra da fidelidade partidária para detentores de cargos proporcionais, cuja constitucionalidade pode, em tese, ser questionada perante o Supremo.

No campo judicial, registraram-se mudanças importantes como o fim das doações de pessoas jurídicas (o que ensejou o veto da presidente da República ao dispositivo estabelecido na reforma para regular esse tipo de doação), a abolição da fidelidade partidária para detentores de cargos majoritários e a proibição da doação oculta, que impedia a identificação do doador original dos recursos repassados ao partido político, quando o dinheiro era transferido ao candidato.

Essas decisões são muito importantes. A primeira estabelece uma nova realidade econômica e política. Econômica pelo fato de que muitas empresas se alavancavam por meio de doações a partidos e candidatos, que, por sua vez, ajudavam as empresas na venda de serviços e produtos financiados pelo sistema público estatal.

A segunda decisão é polêmica. Para uns, a desobrigação de fidelidade partidária para detentores de mandatos majoritários vai na contramão dos avanços. Para outros, era o que tinha que ser feito. Especificamente no caso de senadores, governadores e prefeitos. Significa que eles são donos do mandato e podem sair do partido quando quiserem.

A mudança cultural relevante está nos efeitos colaterais das operações zelotes e “lava jato”, ainda em curso, mas que causam amplo impacto no meio político nacional. Sobretudo no desmonte do capitalismo tupiniquim que se alimenta de indevidas influências, doações legais e ilegais e favorecimento na contratação de obras e serviços pelo governo e por empresas estatais.

Porém, existem aspectos práticos a serem considerados. Sem o dinheiro de empreiteiras e empresas, como as eleições vão ser financiadas? Basicamente, de três maneiras: por meio das doações de indivíduos, que devem aumentar, mas continuarão irrisórias frente aos gastos; mediante o financiamento público, pelo Fundo Partidário, cujo valor triplicou em 2015, a despeito do ajuste fiscal e, segundo rumores, deve aumentar ainda mais; e principalmente via caixa dois que, como sempre, vai continuar a existir.

A questão do caixa dois é muito preocupante. Tratando-se de eleição municipal, a potencial influência do tráfico de drogas, milícias e do jogo ilegal poderá ser maior na medida em que os recursos tendem a ser escassos. Tal situação transfere adicional responsabilidade para a Justiça Eleitoral, que deverá estar atenta à nova realidade. Cabe a ela dispor e utilizar de todos os meios possíveis para prevenir e combater o uso ilícito de recursos nas campanhas. O que, sem dúvida, vai na contramão dos cortes orçamentários anunciados às verbas da Justiça Eleitoral.

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