O governo Dilma 2 começa vergado por uma pesada carga de heranças de seu mandato primeiro. Algumas podem ser consideradas “heranças malditas”, como o desgoverno fiscal. Todas, em seu conjunto, são muito importantes e devem exigir um grau de elevada competência em vários campos.
Na economia, Dilma herda um governo com credibilidade internacional débil, problemas sérios de natureza fiscal e cambial, crescimento muito abaixo das expectativas e mantendo os investidores nacionais e estrangeiros em compasso de espera a respeito da qualidade da equipe econômica que pretende escalar.
A questão econômica tangencia a sociedade quando estamos diante do possível aumento de preços de energia, de combustível e da própria carga tributária para melhorar o resultado fiscal. Atinge em cheio à sociedade quando temos um encolhimento dramático da participação da indústria no PIB e o fantasma do desemprego rondando setores importantes, como o metalúrgico e o de transportes.
Desde o início do primeiro governo Lula, o Brasil nunca iniciou uma presidência com tantos problemas e desafios no campo econômico. A diferença é que Lula operou muito bem os mercados ao acenar com uma conciliação ancorada em dois nomes com credibilidade: Antonio Palocci e Henrique Meirelles. Não é o que vemos hoje, por enquanto.
O governo Dilma deveria lembrar de Bias Fortes, político mineiro, para quem “o primeiro dever de um governo é não assustar”. Para a saúde da economia, melhor seria a indicação imediata de uma equipe de altíssimo gabarito e elevada qualificação técnica.
Outro aspecto crítico é a gestão. A presidente chega ao seu segundo mandato com resultados inconsistentes. Se no capítulo da concessão dos aeroportos e rodovias, as metas foram quase cumpridas, nos portos e ferrovias praticamente nada foi feito.
O governo se depara com um grave problema no setor de energia, com dívida de geradoras e distribuidoras superiores a R$ 50 bilhões, reajuste de tarifas para os consumidores que superam 50%, além de falta d’água e racionamento a caminho. Problemas demais num só setor.
Na política, o saldo é uma base de apoio menor e mais dividida, com problemas em todos os partidos. PMDB e PP estão rachados. O PTB, hostil. PSD e o PROS famintos por cargos. E o PT, além de dividido, magoado. O custo da unificação é elevado.
Outro desafio: a substituição do ministro José Jorge, do TCU. Dilma gostaria de indicar alguém de sua confiança, mas, pela tradição, a vez é do Senado. O que fazer? Quem leva a melhor?
Existe um clima de guerra surda no Congresso. A derrota na Câmara dos Deputados na questão dos conselhos populares era mais do que previsível, mas não deixa de ser um recado. E vem mais por aí.
A pauta bomba tem grandes impactos. Na pauta da Câmara desta semana estão o fim da contribuição de inativos, a equiparação de salários de presidente da República, de vice, de ministros de estados, senadores e deputados federais, ministros do Supremo Tribunal Federal, Orçamento Impositivo, aumento do Fundo de Participação dos Municípios, entre outros. No Senado, o projeto que muda o indexador da dívida de estados e municípios com a União já foi aprovado.
Para alimentar o caldeirão, o Judiciário quer aumentos de 22%, muito acima dos 5% propostos no Orçamento. E a PEC da Bengala, que vai ampliar de 70 para 75 anos a data limite de aposentadoria de ministros do STF, assunto do qual Dilma não quer ouvir pois isso implica deixar para o sucessor a adorável tarefa de substituir cinco ministros.
O aceno inicial de Dilma para o diálogo foi uma boa iniciativa. Só que parcial. Não mencionou governadores, Congresso e a oposição. Pode ter agradado alguns, mas desagradou o mundo político. O clima não é bom. Em São Paulo, ocorreram manifestações contra o governo federal e contra o governo estadual. Podem ser o gatilho de uma nova série de manifestações como em junho do ano passado? Acho que não. Mas não é impossível.
Outra herança indigesta é o Petrolão. O governo terá uma extensa agenda negativa nos próximos meses, na medida que as delações forem sendo tornadas públicas. A incógnita está no tamanho do problema. Onde vai chegar? Quem será atingido pelas denúncias? Haverá cassações como na CPI do Orçamento, em 1993? Uma certeza: o espectro do Petrolão dificulta a reforma ministerial.
Esta semana, Lula e Dilma gastaram horas avaliando o quadro. Sabem que as heranças compõem um quadro muito complexo, onde a competência política e econômica, a inteligência emocional e o pragmatismo serão muito mais do que necessários. Serão vitais.