A ira como conselheira


Uma parcela significativa dos eleitores que marcharam em direção às urnas no domingo, 7 de outubro, não carregou o estandarte da esperança. Confirmada a polarização apontada pelos oráculos modernos e vivenciada em velhos e novos palcos, os das ruas e redes sociais, os votantes apontaram sua ira em direção aos adversários.

O século XXI não dissipou os tempos extremos de Eric Hobsbawm, que assim alcunhou o século XX. Aqui, em terras brasilianas, não estamos isolados. Também cultuamos as ideias mais distantes do centro, geralmente quimeras.

De um lado, a ideia mítica do salvador que vai livrar os pobres e miseráveis do capitalismo opressor. Do outro, o mito de armas em riste que igualmente ostenta a miragem salvacionista contra a tirania sinistra.

Intolerância ao contraditório

Não são iguais. Oscilam entre a sofisticação política às simplificações toscas. Das receitas de alfarrábios a preconceitos arraigados.

Mas ambos são genuínos e legítimos. Não representam a si mesmos. Expressam vontades e pensamentos de rincões e querências Brasil adentro.

Entre outras características, o que os difere dos demais é o culto à ira. Se não estiver comigo, está contra mim. Revivem um bordão de sombria lembrança: ame ou odeie minha ideia.

As receitas de ambos contêm soluções divergentes. Antagonizam-se em questões programáticas, mas convergem no ódio a tudo que contrarie suas crenças de demiurgos.

De um lado, o ódio à diversidade, aos direitos humanos, à integridade humana. Do outro, o ódio ao contraditório, à livre iniciativa, ao Estado enxuto. Em ambos, o ódio a quem pensa diferente.

Um lado se levanta contra os valores tradicionais. O outro quer preservá-los a qualquer custo.

Dos dois lados, militantes que não se toleram. E que têm a convicção cega dos fanáticos.

Traço comum a ambos, o desprezo à liberdade como valor absoluto. Compartilham, aberta ou veladamente, tendência ao autoritarismo onde governar rima com ordenar.

Afinal, os dois lados têm a perigosa certeza de que somente eles sabem o que é melhor para o povo. Como, às vezes, a democracia atrapalha este desígnio, vez e outra buscam atalhos a ela.

Canto das cigarras

Não há solução certa ou errada. Há escolhas como a que os brasileiros fizeram no domingo, dia 7 de outubro.

Alguns eleitores lançaram os números à sorte como um sortilégio para as nossas mazelas. Para muitos, os algarismos digitados na urna buscaram entronizar um mito e destruir o outro.

No meio do caminho ficaram as ideias apaziguadoras e a moderação. Feitas as escolhas, os votantes elegerão um candidato que é o mais amado e o mais odiado ao mesmo tempo.

Abertas as urnas, insuflados por candidatos raivosos, 80 milhões de eleitores optaram pela ira como conselheira. Fizeram suas escolhas.

Como nossa terra é fértil, em se plantando, tudo dá. Inclusive ervas daninhas.

  1. Neste 2018, fugindo ao padrão, as chuvas antecederam o tradicional canto das cigarras no cerrado brasiliense. Porém, galhos e troncos molhados não impediram que elas entoassem sua notável cantoria. Parecem indiferentes aos extremismos que crispam o horizonte. Talvez porque, para elas, nada vai mudar. Assim como os que cultuam a temperança prosseguirão apreciando o concerto de Bach, cujo link segue aqui: https://www.youtube.com/watch?v=QLj_gMBqHX8.

 

* Itamar Garcez é jornalista

Postagens relacionadas

Institutos de pesquisa confrontam os likes do Twitter de Bolsonaro

Institutos de pesquisa confrontam os likes do Twitter de Bolsonaro

Possível liberação do aborto de fetos com microcefalia pelo STF é criticada na CAS

Usamos cookies para aprimorar sua experiência de navegação. Ao clicar em "Aceitar", você concorda com o uso de cookies. Saiba mais