A gaiola dourada da popularidade


Houve quem criticasse Nizan Guanaes quando ele recomendou ao presidente Michel Temer aproveitar a sua não popularidade para adotar medidas duras, a fim de restabelecer o equilíbrio fiscal e promover a retomada do crescimento econômico. Eu estava a seu lado no Conselhão quando ele fez a recomendação.

Em síntese, ele dizia que o presidente deveria tratar de temas duros sem se preocupar em ser popular. A declaração foi longe e gerou debate, mas Nizan estava coberto de razão. O estado em que o Brasil se encontra demanda medidas que dificilmente serão populares.

Ninguém acredita que uma Previdência Social tecnicamente quebrada possa ser reformada sem dor. Muitos sabem que os salários devem ser congelados e os benefícios cortados, conforme feito em Portugal. A questão da popularidade, porém, persegue os governantes assim como os autores de novela perseguem o Ibope.

O filósofo suíço Alain de Botton é de uma sinceridade devastadora ao explicar a obsessão em querer ser popular, buscar o elogio e o reconhecimento, querer agradar sempre. No Brasil rasteiro, há quem considere a popularidade a medida do sucesso, em especial quando se mistura espetáculo com política. Não importa como se consegue ser popular nem em que circunstâncias.

Muitos acham que o presidente deve ter a preocupação de agradar sempre por conta do ciclo eleitoral. Que deve tomar medidas duras de início e guardar os agrados para o último ano e meio do mandato, numa dinâmica que atende ao interesse eleitoral e não ao nacional.

A busca da popularidade extrapola o limite dos mandatos. É o caso da antecipação de aumentos salariais pelo governador que deixa o cargo para que sua decisão seja cumprida pelo governador que acabou de ser eleito. Uma espécie de bomba-relógio para as finanças públicas na ânsia de ser eleitoralmente popular.

Agradar deveria ser a última das preocupações de um presidente. E sua popularidade deveria decorrer de uma análise fria dos acontecimentos. Algo que jamais acontecerá, considerando a profundidade de nosso entendimento sobre o cotidiano. Afinal, vivemos em um país raso, onde quem explica também busca a popularidade.

Daí a espetacularização do noticiário. As manchetes são movidas pelo espetáculo. As fotos de capa mostram o detalhe do cabelo despenteado ou um leve roçar no nariz, de forma a forçar a vista para o inusitado. Popularidade a qualquer preço.

Recorrentemente, vemos celebridades e subcelebridades artísticas que, por conta de sua exposição, se acham no direito de dar opinião sobre o que não conhecem. Surfam nas ondas baixas do senso comum em busca de popularidade. Confirmam, usando o axioma “com certeza”, o que o senso comum espera ser confirmado em círculo vicioso de intensa mediocridade.

O francês Michel Houellebecq, mesmo sendo um dos mais respeitados escritores da atualidade, se diz escritor e não intelectual. E afirma que não deve dar opinião sobre tudo. No Brasil rasteiro, falta pudor às nossas celebridades e juízo aos comunicadores, que se encarregam de propagar as besteiras ditas em favor da popularidade. Assassina-se, diariamente, uma das maiores conquistas do século passado: a reflexividade.

Dilma Rousseff, a mais incompetente presidente de nossa história, foi, paradoxalmente, a presidente mais popular. No início de 2013, bateu recordes de popularidade e aprovação. Acabou melancolicamente descartada no lixão político de nossa República. É uma prova de que popularidade não é tudo e pode terminar mal, se não vier acompanhada de decisões políticas consistentes.

Mesmo sendo uma armadilha terrível, a busca pela popularidade é a tônica da nossa sociedade. Daí muitos não terem entendido quando o grupo Los Hermanos desprezou a sua mais popular canção, “Ana Júlia”. Eles queriam ir além da popularidade pop que a canção lhes trouxe. Se não fizessem isso, teriam se transformado, certamente, em uma espécie de “one hit wonder” nacional, como o Sylvinho, do “Ursinho Blau-Blau”.

Na explicação do fenômeno político, as armadilhas são cotidianas. Seguir o “bom senso” ou o “senso comum” pode ser o caminho para a popularidade. Mas não o caminho para o sucesso do analista. Usar a indignação como ponto de ênfase para as explicações também é outro atalho para a popularidade. Mas leva para longe a verdade dos fatos. Na política, a indignação pode justificar, mas não explica.

O mais grave não é apenas o desejo doentio do reconhecimento. É o fato de que a verdade deixou de fazer sentido. São tempos de pós-verdade. Era de factoides. Fatos que parecem mas não são verdades, assim como os julgamentos indignados sobre o porquê das coisas.

Quando Nizan, mago da publicidade e celebridade internacional, recomendou que o presidente aproveitasse as vantagens da impopularidade, machucou um dos objetivos mais caros da vida de milhões: ser popular. Para a imensa maioria, a sugestão de Nizan é algo absolutamente incompreensível. Neste momento, se formos medir o governo pela popularidade, certamente estaremos aprofundando a vala comum de nosso fracasso coletivo.

Publicado no Blog do Noblat em 05/12/2017.

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