Em quase 127 anos da proclamação da República, de acordo com pesquisa da cientista política, Maria Tereza Sadek, o Brasil teve nada menos que oito sistemas partidários. Nenhum deles deu certo. Mais recentemente, a história política da redemocratização brasileira tem como ponto lamentável a crescente fragmentação do sistema partidário. No início de 2016 tínhamos 36 partidos registrados oficialmente na Justiça Eleitoral, 27 deles com representação no Congresso Nacional.
A fragilidade do nosso sistema partidário motivou comentários relevantes. Recentemente o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso declarou que os partidos existiam somente no Congresso, e não na sociedade. O procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima, um dos líderes da Operação Lava Jato, foi além e afirmou, durante entrevista coletiva sobre a 28.ª fase da operação, que, tendo em vista as investigações, era possível concluir que o sistema partidário brasileiro se encontra “apodrecido”.
Com a fragmentação, o presidencialismo de coalizão busca estabilidade e governabilidade construindo coalizões no Congresso que, pela amplitude e diversidade de interesses, criam dificuldades adicionais de gerência no relacionamento. Na atualidade, o maior partido da Câmara não tem 66 deputados num total de 513; e apenas três partidos, incluindo o PMDB, têm mais de 50 deputados em suas bancadas. São muitos os partidos disputando posições e verbas. A base de Michel Temer na Câmara tem, pelo menos, 14!
Além da fragmentação partidária, que corrói o sistema político, temos a falácia do caráter nacional dos partidos. O anacronismo é tanto que legendas aliadas no nível federal podem ser – e muitas vezes o são – adversárias no âmbito estadual e municipal. Tal fato revela grave incongruência constitucional.
De acordo com a Constituição federal, os partidos devem ter caráter nacional, o que pressupõe que sua orientação política, ideológica e programática deve ser igualmente nacional. Não há sentido em exigir que o partido tenha caráter nacional se ele pode, em suas representações estaduais e municipais, adotar orientação contraditória à tendência nacional.
Em outras palavras: se um partido se coliga a outro para disputar as eleições presidenciais, não é razoável admitir que se coligue, em nível estadual, a partido adversário do coligado nacional. Tal situação ocorreu diversas vezes nas eleições de 2014. Por exemplo, PT e PMDB estavam coligados nacionalmente. Mesmo assim, enfrentaram-se no nível estadual. E não raro estiveram coligados a partidos que tinham outro candidato presidencial. Houve situação específica em que o PMDB do Rio de Janeiro apoiou Aécio Neves, do PSDB, em desfavor de Dilma Rousseff, do PT, e de Michel Temer, do PMDB!
Para dar ampla e total liberdade aos partidos políticos no âmbito estadual e transformar em letra morta o seu caráter nacional o Congresso aprovou, em 2006, emenda constitucional que permitiu ampla liberdade de coalizão a partir dos interesses partidários estaduais. Tal entendimento, não tenho dúvida, contraria a Constituição quando esta atribui, de forma claramente preferencial, caráter nacional aos partidos políticos.
Ora, sem querer ser exaustivo em matéria de Direito Constitucional, é sabido que existem normas constitucionais que são inconstitucionais, ainda que não vulnerem cláusulas pétreas. Vários juristas, entre eles Otto Bachoff, trataram da existência paradoxal de normas constitucionais que seriam inconstitucionais. É o caso em tela.
A ampla liberdade de coligação em nível estadual contraria o desejo expresso pelo constituinte em favor dos partidos nacionais. A liberdade dos partidos, prevista no artigo 17, deve ser interpretada tanto a partir do aspecto nacional dos partidos quanto do resguardo do regime democrático.
É de estranhar que a Ordem dos Advogados do Brasil, assistindo à completa deterioração do sistema partidário nacional, tanto pela fragmentação abusiva quanto pela inconstitucional liberdade de coligação, não assuma essa bandeira nem busque reparar tal anomalia mediante uma ação de declaração de inconstitucionalidade.
Acredito que teria pleno êxito no Supremo Tribunal Federal (STF), tendo em vista o reconhecimento tácito da completa bagunça do sistema partidário, da omissão do Legislativo em organizá-lo e da confusão que coligações partidárias nas eleições municipais e estaduais promovem na cabeça do eleitor.
Caso o dispositivo constitucional que liberou as coligações fosse declarado inconstitucional, o caráter nacional dos partidos seria preservado e as coligações eleitorais passariam a ser verticalizadas a partir da decisão do diretório nacional. Poderiam existir coligações entre partidos, mas elas teriam de se repetir em todo o País, criando um padrão de unidade programática.
Não deveria haver mais coligações contraditórias entre as disputas estaduais e a disputa federal, resolvendo-se um dos mais graves problemas do sistema partidário nacional. Seria uma intervenção, mais do que bem-vinda, do STF no sistema político, com excepcionais consequências para as eleições no País.
O fortalecimento dos partidos políticos deveria começar pelo cumprimento do que dispôs o constituinte ao determinar o seu caráter nacional. Reformas constitucionais, como a emenda em discussão, não podem mudar conceitos fundamentais estabelecidos.
Apenas o reconhecimento dessa evidente inconstitucionalidade já representaria um passo decisivo para o aperfeiçoamento do sistema partidário brasileiro com vista às eleições gerais de 2018. Outros avanços devem ser perseguidos, como a cláusula de desempenho e a proibição de coligações para eleições proporcionais.
Porém, ao dar um padrão às coligações, estaremos fortalecendo a instituição partidária e buscando dar o devido caráter nacional que os partidos políticos devem ter.