O gasto público corrente tomou conta do Produto Interno Bruto (PIB). Enquanto se discutem novas medidas para aumentar a arrecadação, perde-se a noção de que a característica mais marcante da evolução recente da economia brasileira é o brutal crescimento do gasto público.
Se coubesse a inserção de um gráfico contendo dados mensais para os últimos 12 meses da taxa de crescimento real do gasto federal e do PIB calculado pelo Banco Central, veríamos que, de janeiro de 2005 a junho último, ou seja, nos últimos dez anos e meio, a linha do gasto se situa acima da linha do PIB praticamente o tempo todo.
Como costuma dizer um amigo, o crescimento da carga tributária é mera consequência da evolução do gasto. De janeiro de 2005 a dezembro de 2008, a Receita Federal cresceu praticamente à mesma taxa média real da despesa. Nessa fase, ambas cresciam o dobro do PIB (9%, ante 4,5% ao ano). Por conta disso, os saldos fiscais herdados da fase precedente se mantiveram ao redor de 3% do PIB em todo esse período, e a solvência pública nunca esteve tão bem.
De agosto de 2012 a junho último, contudo, no quadro de desaceleração sistemática da economia que se instalou, receita e PIB cresceram à mesma e inexpressiva taxa média de 1,2% ao ano. Enquanto isso, a taxa média da despesa, mesmo caindo, se situava em fortes 5,8%, implicando aumento igual a 4,7 vezes o crescimento do PIB. Daí os elevados superávits fiscais terem despencado e virado os primeiros déficits primários (sem incluir os juros) em muitos anos.
Sem espaço para detalhar, cabe enfatizar que o gasto público no Brasil é basicamente corrente. Investimentos não passam de míseros 6% do total. E são basicamente transferências para pessoas (previdência e assistência social) e pessoal, respondendo por 75% do total.
Assim, se o setor público não consegue gastar menos que 4,7 vezes a evolução do PIB, a economia não pode se dar ao luxo de crescer abaixo de taxas entre 4% e 5% ao ano. Sem isso, acumulam-se déficits primários elevados e se enfrenta uma crise fiscal. Só que, para crescer, é preciso algo mais do que uma simples vontade de fazê-lo.
O desastre do governo atual foi não ter essa visão em mente, contribuindo para agravar um quadro que, na partida, era difícil de sustentar. Insistiu num esgotado modelo pró-consumo, adotou políticas populistas, como o controle de pedágios e tarifas públicas em geral, subsidiou sem futuro a indústria e perseguiu o investidor privado. Não deu outra: a proporção dos investimentos no PIB e a produção industrial passaram a cair e finalmente se instalou uma gigantesca crise fiscal. E nada disso foi trazido de fora, ou seja, foi tudo invenção interna. Hoje, depois de marchas e contramarchas na questão fiscal, estamos à beira de perder a classificação de “bom pagador” das agências internacionais de risco.
O desafio assumido pelo novo ministro da Fazenda foi produzir uma virada brusca na trajetória dos resultados fiscais. Primeiro, ele prometeu que o déficit primário do ano passado (0,6% do PIB) viraria um superávit de 1,1% do PIB neste ano. Mais do que isso, os superávits aumentariam para 2% em 2016 e 2017. Para isso, e falando só de 2015, o crescimento real do gasto da União seria de -1,2%, enquanto o da receita se situaria em 5,5%. Percebendo a inviabilidade desses objetivos, reviu há pouco mais de um mês a meta de superávit deste ano para 0,15% do PIB, e as taxas de crescimento do gasto e da receita para -1,6% e 0,6%. Ou seja, ousou um pouco mais na despesa, enquanto aceitava que seria muito difícil ter um grande crescimento da receita num ano recessivo.
Para ver como andam essas taxas até o último mês disponível, o crescimento real da receita nos últimos 12 meses terminados em julho foi de -4,9% e o da despesa, de 4,6%. Ou seja, falta muito para chegar nas metas de 0,6 e -1,6%, respectivamente. Em cima de tudo isso, Levy foi atropelado pelo anúncio oficial de um projeto de orçamento para 2016 contendo, pela primeira vez na história recente, um déficit primário embutido no orçamento. Haja milagre…