Posso manter minha convicção de que a judicialização da política é uma consequência natural do atual modelo coberto pelo enfraquecimento da democracia e do sistema de poder. A forte rejeição às práticas corruptas completa o quadro de carência de um Estado moderno, capaz de enfrentar problemas ameaçadores da ordem econômica e social.
Na América Latina, talvez o Brasil seja o país que mais recorre à fórmula da judicialização, xarope para problemas de toda natureza institucional. As bronquites eleitorais, por exemplo, são as que mais têm merecido socorro por parte da Corte Suprema, ironicamente provocada pela intervenção dos próprios parlamentares, especialmente os mais veteranos.
Eles querem saber se o juiz da Lava Jato tem razão, se já está na hora de a operação acabar, se as prisões respeitam os padrões da Justiça, se as eleições serão diretas etc. Temas em sua maioria exclusivamente de natureza parlamentar, principalmente quando a pauta do Poder Judiciário clama por atenção aos negócios, à cidadania, aos dilemas do Estado em nível nacional e internacional etc.
Sociedade sem acesso à Justiça
Nos últimos três anos, subjugada por denúncias, investigações e condenações, a sociedade parece aturdida. Busca nas ruas, nos plenários, nos debates da mídia, nos tribunais a solução de problemas espantosos. Além da própria corrupção, que destrói os recursos monetários capazes de enfrentá-los, há outros, típicos de nações em processo de reestruturação, como é o caso brasileiro.
A educação passou por recente reforma do ensino médio e agora persegue metas modernas de desempenho; a saúde carece de gestão atualizada e programas renovadores para atacar os gargalos que adoecem o país; a segurança dizima vidas, valores, patrimônio. Falamos das crises ética, econômica, política, mas na verdade lutamos contra muitas delas, em vários frontes.
A maior de todas, em minha crença de cientista político e estudioso, é a trava que exclui o Brasil do mundo da competitividade. Parece-me o campo de maior injustiça já produzido contra os que têm menos, de menor espaço para a prosperidade dos sonhos e de maior aridez para o avanço político. E sem possibilidade de recursos à judicialização, no individual, na turma ou no pleno. Na primeira, na segunda ou na instância superior.
A Justiça em favor do Estado
Em quizílias de outra natureza, a ação da Justiça atuou em favor do Estado de direito, inclusive em recentes e delicadas causas internacionais. No início do ano, a Alta Corte do Reino Unido decidiu que o país não poderia iniciar o processo de saída da União Europeia (Brexit) sem aprovação do Parlamento. No caso da tentativa de bloqueio determinada pelo presidente Trump à entrada, nos Estados Unidos, de cidadãos muçulmanos de determinados países, o assunto foi parar na Justiça, onde está até agora.
A retirada norte-americana do Acordo do Clima de Paris é outra disputa que poderá terminar judicializada. No passado, a Justiça estabeleceu que o dióxido de carbono (ou gás carbônico) pode ser considerado um poluente. Isso dá bases legais para restringir as emissões. Qualquer tentativa de derrubar esses limites será questionada na Suprema Corte.
Logo, no Brasil ou em Paris, a questão não estaria no risco de judicialização da política, pois, se há um tribunal supremo e, ao lado, o Legislativo comete erros, é natural que se apele à razão e ao direito. A dificuldade estaria na politização da Justiça, a partir de episódios como a suspeita de fraude na estranha delação da JBS, instigada pela PGR e aceita como virtuosa pelo relator Edson Fachin.