O agravamento da crise provocada pela disseminação do coronavírus deve intensificar a polarização política no país. Tanto o risco de colapso no sistema de saúde quanto os sinais da forte recessão econômica que já se desenha no horizonte criam um ambiente psicossocial favorável à radicalização, já que a preservação da vida e a luta contra a falência financeira são necessidades urgentes da população.
Nesse cenário, temos a seguinte combinação com potencial explosivo:
1) Isolamento social, que começa a produzir na classe média uma insatisfação expressa por meio de panelaços nas principais capitais do país;
2) Os trabalhadores informais – que somam entre 15 e 20 milhões de pessoas – devem ficar com sua condição financeira bastante delicada nas próximas semanas;
3) Incertezas quanto ao cumprimento das medidas restritivas por parte dos residentes nas periferias, sobretudo em São Paulo e no Rio de Janeiro;
4) Risco de rebeliões nos presídios e de saques em supermercados e farmácias.
Diante desse quadro, o presidente Jair Bolsonaro, que perdeu capital político nas últimas semanas, poderá radicalizar sua narrativa para preservar a fatia do bolsonarismo que lhe é fiel, sobretudo com a perda de aliados e o aumento do isolamento.
Vale lembrar que na semana passada a deputada estadual Janaína Paschoal (PSL-SP) pediu a renúncia do presidente. O deputado federal Alexandre Frota (PSDB-SP) protocolou um pedido de impeachment na Câmara. Nesse clima, a influência da ala ideológica e do núcleo familiar, caso cresça, pode levar a um afastamento dos militares, que, internamente, trabalham para que o presidente seja mais moderado em suas ações.
A oposição, principalmente o PT, embora tenha optado pelo silêncio diante do ambiente de comoção nacional por conta do avanço do coronavírus e esteja sem narrativa, quando ocorrer o controle da epidemia, terá a política econômica do governo como alvo. Não por acaso em vídeo gravado na última quinta-feira (19) nas redes sociais, o ex-presidente Lula afirmou: “Primeiro vamos salvar o povo, depois pensamos na economia.”
Num ambiente de recessão econômica, a narrativa petista contrária às reformas, combinada com o enfraquecimento do governo, pode deixar Bolsonaro ainda mais vulnerável. Além disso, o presidente precisará lidar com as movimentações dos governadores João Doria (PSDB-SP) e Wilson Witzel (PSC-RJ), que têm buscado construir uma agenda proativa através do anúncio de medidas restritivas que visam à proteção dos habitantes de São Paulo e do Rio de Janeiro. Doria e Witzel estão rompidos com Bolsonaro e suas ações terão repercussões, se os estados que governam apresentarem um controle positivo da pandemia a partir das medidas impostas por eles.
Ao contrário do que ocorreu nas eleições de 2018 e no primeiro ano do governo, a manutenção da polarização se mostra dessa vez desfavorável ao presidente. Ainda que a pandemia não seja uma crise produzida no Palácio do Planalto, os erros cometidos por Bolsonaro em relação à doença transformaram o assunto em problema presidencial, em especial após ser revelado que diversos membros do governo que o acompanharam em viagem aos Estados Unidos estavam contaminados pelo vírus.
Assim, após sua errática estratégia inicial para lidar com a doença, Bolsonaro terá que mostrar capacidade de liderança. Além disso, o presidente depende do surgimento de um cenário de controle da epidemia nos próximos meses e com poucos mortos. Isso porque a combinação de trabalhadores informais sem renda com uma parcela importante da classe média enclausurada e disposta a protestar nas janelas pode construir um cenário difícil para o governo.