Pandemia reacende debate sobre legalização de cassinos no país

Dívida pública beirando 90% do Produto Interno Bruto (PIB), desemprego atingindo mais de 12 milhões de brasileiros e inflação em alta. Estes são alguns dos retratos atuais da economia brasileira, que estava crescendo até 2019, mas foi golpeada pela pandemia do novo coronavírus. Com isso, o Senado Federal vem se mobilizando para aprovar um projeto que regularize os cassinos no Brasil; o objetivo é claro: arrecadar recursos. Contudo, por esbarrar no debate ético-moral, a ideia é vista com desconfiança por parte do governo e do Congresso.

Durante a reunião ministerial de 22 de abril de 2020, que foi divulgada por meio de decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), o ex-ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, disse que o Brasil deveria “discutir os resorts integrados a cassinos”. No entanto, a fala motivou uma reação da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, que considerou a ideia um “pacto com o diabo”.

Meses após o episódio, Álvaro Antônio foi sucedido por Gilson Machado no cargo, mas a opinião da liderança do Ministério do Turismo não mudou. “Fomos aos Estados Unidos para estudar o caso de sucesso que passa a legalização dos cassinos por lá. No Brasil, cabe ao Congresso, mas eu sei que, se aprovado, pode trazer muito investimento”, afirmou Machado.

Legalização tramita no Congresso

O Projeto de Lei (PL) 2648, de 2019, cuja autoria é do senador Roberto Rocha (PSDB/MA), é um dos textos mais avançados no Senado sobre a regulamentação dos chamados “jogos de azar”. Ele prevê a “exploração de cassinos por tempo determinado e operação de jogos autorizados pela União somente em complexos integrados de lazer [resorts]”.

O PL argumenta que a receita a ser gerada com o pagamento dos impostos do jogo legal reforçaria os cofres públicos num momento de escassez de recursos e poderia ser direcionado para, entre outros meios, programas sociais.

À Arko Advice, o relator do projeto, senador Ângelo Coronel (PSD-BA), disse ser imprescindível para o país discutir como angariar novas receitas sem que seja necessário aumentar impostos. “O momento pandêmico atual exige maior arrecadação de recursos, mas sem aumento de impostos. Dessa forma, o projeto pode ser um meio de alavancar a recuperação econômica do país”. Segundo ele, ainda não há uma data concreta para a votação do mérito, contudo, o relatório do texto deve ser apresentado à casa “nos próximos dias”.

O PL estabelece que apenas hotéis com, no mínimo, acomodações hoteleiras de alto padrão, locais para a realização de reuniões e eventos sociais, culturais ou artísticos de grande porte, restaurantes e bares e centros de compras possam desfrutar da regularização.

De acordo com o texto, a autorização de funcionamento e definição da carga tributária – valores e tipos de impostos – caberá ao Executivo. Além disso, serão priorizadas as áreas brasileiras que apresentam os piores indicadores socioeconômicos de municípios ou região, como Produto Interno Bruto (PIB – ligado à arrecadação), renda per capita (receita média de uma população em um determinado período), Índice de Desenvolvimento Humano (IDH – unidade que avalia os níveis de educação, segurança etc), Coeficiente de Gini (que mede a desigualdade de renda) ou índice de desemprego (indivíduos sem atividade formal de remuneração).

Segundo um levantamento de 2017 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), os estados de Alagoas, Maranhão, Piauí, Pará e Sergipe são os piores colocados no ranking de IDH no país.

Custeamento do Renda Cidadã

Mesmo que o principal objetivo dos projetos acerca do tema seja gerar novas receitas e novos postos de trabalho, a possibilidade dos recursos obtidos com cassinos financiarem o Renda Cidadã ganhou força.

O Renda Cidadã é a nova proposta de programa social do Governo Federal que pretende substituir o Bolsa Família, ampliar o número de pessoas atendidas e aumentar o valor do benefício – que atualmente é de quase R$200. Ainda não há uma data exata para a ideia sair do papel. Afinal, para que aconteça, é preciso convencer o Congresso a aprovar uma proposta para financiamento. Havia o plano de inserir na PEC Emergencial, aprovada em março deste ano, a criação do programa social. Contudo, a falta de consenso sobre a fonte de recursos para a criação do Renda Cidadã, depois de adiar por várias vezes a apresentação do projeto, o levou para a gaveta.

“A geração de recursos da tributação de jogos poderia ampliar o alcance do Bolsa Família de 14 milhões de famílias para 22 milhões, ainda aumentando o valor médio recebido de R$ 200 para R$ 300. Isso equivale a mais ou menos R$ 50 bilhões em recursos para custear o incremento do programa”, afirmou Coronel.

Proposta de Roberto Rocha não é a única no Senado

Além do PL 2648/19, há outras propostas sobre o tema no Senado. Como por exemplo, o PLS 186/2014, do senador Ciro Nogueira (PP-PI), que autoriza a exploração de “jogos de fortuna”, on-line ou presenciais, em todo o território nacional, incluindo cassinos em complexos de lazer.

O texto, que foi desarquivado em 2019 e sofreu alterações nas comissões, prevê a regulamentação para jogo do bicho, videobingo e videojogo, bingos, cassinos em complexos integrados de lazer, cassinos on-line e apostas esportivas e não esportivas. O credenciamento para exploração do jogo de bingo e videobingo terá prazo de 20 anos, renovável por igual período. Já o dos cassinos terá validade de 30 anos, podendo ser renovado por sucessivos períodos. Neste projeto, todavia, a autorização caberá aos estados brasileiros, e não à União como propõe o senador Roberto Rocha.

Segundo o senador Ângelo Coronel, é possível que, no intuito de acelerar a tramitação do tema na Casa, os projetos de Nogueira e Rocha sejam fundidos. “Todos os projetos que tramitaram no congresso podem ser aproveitados. Tive o cuidado de ler todos e colher sugestões para o nosso relatório”, afirmou à Arko.

Cassinos sim, overdose não

Na visão do ex-secretário de Estado de Turismo do Rio de Janeiro e atualmente deputado federal, Otávio Leite (PSDB-RJ), é inadmissível que o Brasil ainda não tenha regularizado a atividade dos cassinos. No entanto, Leite acredita que o assunto está mais palatável aos olhos do debate público. “Não faz nenhum sentido o Brasil ainda não ter cassinos. Nosso país é um dos destinos mais procurados por estrangeiros, mas peca por não oferecer esse tipo de serviço”, afirmou à Arko.

“O debate está mais maduro, e pode evoluir. Não se trata de permitirmos ou não os jogos de azar no país, mas como irá se dar essa permissão. Por exemplo, hoje, na minha opinião, os cassinos deveriam ser autorizados sobretudo para os turistas. Mais para frente podemos conversar a respeito de uma legalização mais ampla”, disse.

O deputado, no entanto, afirmou que a overdose de jogos de azar deve ser evitada. “O cassino pode ser mais uma atração para que o viajante venha ao Brasil, mas também não deve ser liberado a ponto de permitirmos uma overdose de apostas. Portanto, a autorização dessa prática deve ser amplamente negociada entre os poderes”.

Jogos e corrupção

Ainda que o assunto esteja ganhando apoiadores entre a classe política, também há severos opositores à legalização dos Cassinos. De acordo com o senador Eduardo Girão (Podemos-CE), por exemplo, a autorização da atividade pelo poder público iria “escancarar as portas para a corrupção”.

“A liberação dos jogos de azar no Brasil é uma grande furada. Esse tema que está se aproximando do Congresso visa criar problemas em vez de soluções. Com o jogo vem o tráfico de drogas, tráfico de armas, prostituição inclusive a infantil. Não é à toa que a polícia federal, a receita federal e a operação da lava jato são contrários à legalização dos jogos de azar”, afirmou.

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