O uso de MPs no governo Lula 3

Lira, Pacheco e Lula - Foto: Pedro Gontijo/Senado Federal

O terceiro governo de Lula encerra 2023 com 51 Medidas Provisórias (MPs) editadas. Quantidade dentro da média habitual para um primeiro ano de mandato. Mas apesar da aparente normalidade nos números, o quadro político delineado ao longo do ano aponta uma tendência de redução no uso de MPs. Tal projeção, inimaginável, tempos atrás, é consequência da nova dinâmica de governabilidade do país, em que o parlamento se tornou protagonista da relação com o Executivo.

Medida provisória possui natureza híbrida: é lei e proposição ao mesmo tempo. Esse instituto legal confere grande poder ao presidente da República. Por garantir agilidade à ação governamental, é utilizado de forma recorrente e indiscriminada. Desde a redemocratização, todos os presidentes lançaram mão desse expediente à exaustão. E o uso desenfreado desse instrumento acumulou críticas ao longo dos anos, que vão desde a usurpação da função legiferante pelo Executivo, passando por uma mecânica disfuncional do processo de deliberação, que culmina em disputas entre as casas do Congresso.

Voltando aos números, das 51 MPs de Lula, apenas 12 foram aprovadas e convertidas em lei. Por motivos diversos, entre os quais algumas falhas na articulação governista no encaminhamento das propostas, as demais perderam eficácia sem serem analisadas pelos congressistas, foram revogadas ou ainda estão dentro do prazo de tramitação. Há de se ressaltar, porém, que várias delas tinham como objetivo liberar créditos orçamentários extraordinários e propositalmente não foram apreciadas por haverem cumprido sua finalidade antes do fim do prazo de vigência. Além disso, algumas das que “caducaram” tiveram seus conteúdos inseridos em textos de propostas paralelas. Portanto, os números não refletem o real desempenho obtido.

Ocorre que, por pressão do Congresso, o governo se viu obrigado a legislar preferencialmente por projetos de lei, Diferentemente das MPs, os projetos possuem um processo deliberativo mais flexível e não se prendem a prazos obrigatórios para conclusão. Em 2023, o Palácio do Planalto encaminhou ao parlamento 37 projetos de lei ordinária, dos quais 12 foram aprovados conclusivamente. Nesse caso, o número também é relativo, visto que alguns não avançaram mas tiveram conteúdos enxertados em outras matérias.

Um aspecto pouco observado desse movimento e que merece ser bem analisado é o poder que ele confere à Câmara dos Deputados. Como a tramitação dos projetos se inicia pela Casa, ela adquire maior controle sobre os textos, visto que também lhe cabe dar a palavra final nas propostas quando o Senado diverge do que foi aprovado anteriormente pelos deputados. Não despretensiosamente o presidente Arthur Lira (PP-AL) passou a cobrar o envio de PLs depois que não conseguiu alterar o rito de tramitação das medidas provisórias para assegurar prevalência na análise das propostas.

Neste cenário, a tendência é de manutenção desse modelo, com indicativo de que o uso de MPs será mais restritivo a partir de então. Prioritariamente devem ser utilizadas para tratar de questões reconhecidamente urgentes, que demandam implementação de políticas públicas em curto prazo, liberação automática de recursos orçamentários, respostas a calamidades e outros eventos imprevistos. Sem entrar no mérito da polêmica, a discussão recém-instalada quanto à possibilidade de devolução da MP de reoneração da folha de pagamentos é o reflexo mais nítido das limitações impostas ao governo.

Todavia, é lícito crer que essa mudança não esteja adstrita ao governo Lula, pois se trata de mais uma etapa do processo de empoderamento do poder Legislativo, que deverá sujeitar também gestões futuras.

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