Publicado originalmente no site Migalhas.
As mensagens trocadas entre os procuradores da Lava Jato apontam que nem só de Telegram era feita a dinâmica de trabalho. Ao que parece, os procuradores marcavam reuniões para marcar reuniões para discutir o que aconteceu na reunião anterior e para decidir o que será feito na reunião seguinte.
O acordo entre a construtora Odebrecht e o MPF, apelidada de “delação do fim do mundo”, foi o produto destas infindáveis reuniões. É esta mesma delação que hoje, no STF, é motivo de embate – o parquet se recusou a fornecer partes do documento à defesa de Lula. A 2ª turma já assegurou ao ex-presidente o acesso ao acordo, o que não foi cumprido no Paraná. Posteriormente, o ministro Lewandowski teve de ratificar o cumprimento da decisão colegiada.
Reuniões e mais reuniões
No chat sobre a elaboração do acordo com a Odebrecht, a palavra “reunião” aparece 290 vezes. As especulações sobre a elaboração do acordo de leniência com a construtora surgiram em março de 2016. O acordo só foi firmado em dezembro do mesmo ano. Neste tempo, inúmeras foram as reuniões marcadas, desmarcadas e remarcadas.
Quando já tinham iniciado as tratativas para a confecção do acordo, a advogada da Odebrecht, em determinado momento, faz o seguinte pedido:
Após mais uma reunião com a Odebrecht, o procurador Roberson conta como foram as tratativas e diz que haverá ainda outra reunião.
E assim se sucedeu a evolução.
Encontros:
Estas foram algumas datas que os procuradores se reuniram acerca do acordo:
10 de março de 2016 / 28 de março / 12 de abril / 20 de abril / 29 de abril / 11 de maio / 17 de maio / 25 de maio (assinando acordo de confidencialidade) / 6 de junho / 7 de junho / 16 de junho / 24 de junho / 29 de junho / 7 de julho / 21 de julho / 4 de agosto / 15 de agosto / 16 de agosto / 23 de agosto / 20 de setembro / 27 de setembro / 1º de outubro / 17 de outubro / 18 de outubro/ 26 de outubro / 4 de novembro / 14 de novembro / 19 de novembro / 1º de dezembro – assinatura do acordo.
Vale lembrar que, em um dia, os procuradores se reuniam em mais de uma reunião. E em outros momentos, havia uma reunião preparatória para entrar em outra reunião logo em seguida. Isso, longe de ser uma crítica, demonstra a complexidade e dedicação dos procuradores.
O ano era 2016, tempo no qual ainda as reuniões por videoconferência não eram tão recorrentes. Assim, os locais das reuniões eram os mais diversos: SP, Brasília, Curitiba, entre outros. Como participavam de forma presencial, os procuradores precisavam se deslocar:
Na realidade, o local da reunião com os advogados das empresas era motivado pelo cenário:
Por óbvio que um acordo tão importante como este, demandaria muitas reuniões. No entanto, até mesmo os procuradores colocavam em xeque a quantidade e qualidade de tantas reuniões:
Gringos
Não foram feitas apenas reuniões em terras tupiniquins. Deltan Dallagnol e os outros procuradores realizaram – hoje de forma questionada – inúmeros “calls” com os “americanos”, como diziam.
Como anunciado em 2015, a Lava Jato teria cooperação dos EUA com acordo da Odebrecht, só não se sabia o que isso envolvia. As tratativas, como se vê na conversas, parecem não ter sido muito fáceis.
De acordo com Dallagnol, a “Ode” (Odebrecht), passou “migués” no call com os americanos, por não confiar nos procuradores brasileiros, porque eles “vazavam” documentos. Pelo visto, tinham razão.
Deltan Dallagnol pretendia fazer um acordo só com as empresas do grupo, porque assim a pressão seria maior:
O tom das tratativas com os americanos também era ditado nas conversas:
Em abril de 2017, a Justiça dos EUA e a Odebrecht fecharam um acordo para que a empresa pagasse US$ 2,6 bilhões em multas para autoridades brasileiras, norte-americanas e suíças.
Pedro Álvares Cabral curitibano
Após nove meses entre idas e vindas de reuniões, em 1º de dezembro de 2016 o acordo entre o MPF e a Odebrecht foi finalmente assinado. A homologação veio no mês subsequente, em 30 de janeiro de 2017, pelas mãos da ministra Cármen Lúcia.
A homologação ocorreu após a morte do relator da Lava Jato no STF, ministro Teori Zavascki, em 19 de janeiro, na queda de um avião no mar próximo a Paraty/RJ. Ele trabalhava durante o recesso do Judiciário para conseguir homologar rapidamente as delações.
Com a pretensão de “salvadores da pátria” que lhes parece ser designada por eles próprios, os procuradores comemoraram a celebração da leniência, crentes que iriam “refundar esse Brasil”.