Desde que Fernando Henrique Cardoso tomou posse como presidente da República, em 1995, os eleitores escolheram a chamada esquerda para governá-los. Nestes 24 anos, os brasileiros optaram por ideologias defendidas por PSDB e PT, partidos forjados na matriz socialista.
A partir de 2019, pela vontade de 57,7 milhões de eleitores (39,23 % do eleitorado), o ponteiro da bússola política no Brasil vai girar 180º. Como resumiu um cauteloso FHC, em entrevista ao programa Manhattan Connection de domingo, 30 de dezembro, “encerrou-se um ciclo”.
Antes de chegar ao 35º ano do mais extenso período democrático de sua história (1985-2019), o Brasil experimentou o mais longo regime de exceção. Foi o tempo da ditadura militar (1964-1985), que durou 21 anos.
Sarney a Itamar
Os estragos provocados pelos generais-ditadores exigiram quase uma década de transição democrática. Primeiro, foi a vez do improvável presidente José Sarney (1985-1990), cujo mérito principal foi ser fiador da atual Constituição – repleta de penduricalhos e privilégios, mas a mais democrática de todas.
Em seguida, foi a vez do primeiro presidente anti-Lula. Fernando Collor (1990-1992) mandou no País por menos de três anos. Antes de ser destituído, ensaiou a abertura da economia e o caminho do liberalismo.
Itamar Franco (1992-1995) – como Sarney, outro vice sucessor – deixou legado que dura até hoje. Sob sua presidência, o Brasil conquistou a estabilidade da moeda.
FHC a Dilma
Nos oito anos que se seguiram, o País experimentou um esquerdista moderado (1995-2002). Diferente de seu sucessor, FHC inspirou-se nas lições de igualdade dos séculos XVIII e XIX, que modernizaram a política, mas soube desprender-se de dogmas econômicos anacrônicos.
A Era Lula (2003-2010) aprofundou políticas de inclusão social e da busca de igualdade. Mas recuou aos tempos dos generais-ditadores, inchando e aparelhando o Estado, estímulo à corrupção.
A inclinação inicial do Governo Lula rumo à responsabilidade fiscal refluiu. A tendência atávica da esquerda de se perpetuar no poder aflorou.
Sem a habilidade política ímpar de seu criador, Dilma Rousseff (2011-2016) retomou a política do Estado interventor. Com o dirigismo estatal e a irresponsabilidade fiscal, sufocou a economia e desmanchou conquistas de Lula.
Acusada de fraude fiscal, a primeira mandatária brasileira foi deposta por crime de responsabilidade e pela perda de apoio da maioria absoluta do Parlamento. O processo que levou ao impeachment teve a chancela majoritária da população e de todos os juízes da Suprema Corte, boa parte indicada pelo PT.
Temer & Bolsonaro
No final do ciclo, o presidente-tampão Michel Temer (2016-2018) retomou iniciativas que podem levar o Brasil à economia liberal.
Habilidoso na política, perdeu-se nos desvãos do poder ao reproduzir as práticas de cooptação do PT – como ficou fartamente provado pelo Mensalão e a Lava-Jato. As duas operações policiais apontaram PT e MDB à frente do maior escândalo de corrupção da história brasiliana.
Caso o capitão-mor tenha de fato se desapegado do discurso estatizante, que defendeu nos 27 anos como parlamentar, o Brasil começará a migração do Estado gigante, intervencionista e gastador para o Estado liberal. Ou seja, o oposto do que o Brasil viveu nos 24 anos anteriores.
Guedes & Moro, os fiadores
Haverá embates importantes nos próximos quatro anos. Posse de armas, ideologia de gênero, escola sem partido, aborto, combate à criminalidade etc.
Nenhum tema, porém, terá tanta influência na duração do novo ciclo que se inicia em 2019, com a ascensão de Bolsonaro ao poder, como a economia. Os ingredientes decisivos que garantem o sucesso de um mandatário democrático são emprego, renda e poder de compra (inflação baixa).
A segurança pública e o combate à corrupção podem ser colocados neste patamar, já que foram alardeadas promessas de campanha.
Não à toa, o novo presidente escolheu Paulo Guedes (Economia) e Sergio Moro (Justiça) como ases e fiadores de seu ministério. Se ambos acertarem, há uma probabilidade grande de Bolsonaro reeleger-se em 2022.
Concorrência & inovação
Os 24 anos da chamada esquerda no comando da Nação exibiram avanços em muitas pautas importantes, como o respeito a diversidade, a distribuição de renda e a estabilidade econômica. Mas parte desta agenda fracassou.
Afinal, é difícil conquistar igualdade sustentando filhos da elite em universidades públicas e relegando o ensino básico a um viés secundário. Inexiste previdência justa quando a elite do funcionalismo se aposenta cedo, com altos salários e paridade com os ativos, enquanto a patuleia recebe pensões que a obriga a continuar trabalhando.
Da mesma forma, não é do Estado onde costumam surgir grandes inovações. Você não estaria lendo este texto se não houvesse a internet ou aparelhos como os smartphones – inventados nos EUA.
A livre concorrência, preconizada por Paulo Guedes, costuma ser o indutor do progresso, não o Estado onipresente e engessador. O que será testado doravante – se o Parlamento e o Judiciário consentirem – é o Estado enxuto, que deixe investidores investirem e trabalhadores trabalharem.
Estado gigante x liberal
O Estado obeso foi testado e não deu certo. Desembocou numa recessão histórica, na violência recorde e em corrupção nunca antes vista.
No ciclo anterior, privatizar costumava ser anátema. No novo, da chamada direita, deverá ser princípio. O embate será entre Estado gigante X Estado liberal.
O Brasil já conhece o primeiro. Se Bolsonaro cumprir sua promessa, conhecerá o segundo.
Bolsonaro não é Lula. O ex-capitão não tem a liderança do ex-operário. Tampouco a retórica do líder do PT, como ficou claro em Davos, na Suiça.
O novo presidente, porém, não parece alienado – noves fora as encrencas patrocinadas pelos filhos. Sabe o que vai acontecer caso seu governo fracasse.
“Não posso errar, senão o PT volta”, disse à jornalista Denise Rothenburg. Pelo menos no diagnóstico estratégico, Bolsonaro acertou.
* Itamar Garcez é jornalista