A influência que a esquerda exerce sobre as redações, a academia e o mundo artístico propaga conceitos ideológicos como se fossem verdades certificadas. Quem discorda é patrulhado por “especialistas” arregimentados pela mídia em geral – que, mais das vezes, busca quem confirme sua tese.
O patrulhamento fenece o raciocínio. O livre pensar fica, então, emparedado. Uma contradição em setores que deveriam representar o contraditório, o debate e a vanguarda.
Nada disso se vê nesta banda dos trópicos. Diante de qualquer questionamento saca-se respostas prontas de emboloradas prateleiras ideológicas.
O ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, considerou contraditório o comportamento de usuários de drogas que, de dia pedem segurança, à noite consomem drogas. Quem consome drogas, raciocinou, financia o crime organizado.
A afirmação do ministro não tem como ser contestada de maneira racional. Pode ser estigmatizada ou atacada com argumentações transversas.
A culpa é do governo
Expressa, porém, a mais pura lógica. Não haveria aparato criminoso gigamenso, numa ponta, se, na outra, não houvesse quem consumisse o produto do crime. A lógica pode provocar desconforto, jamais ignorada.
Mas quem conhece a sinistra sabe que ela funciona como seita. Seitas não têm integrantes, têm sequazes. Professam conceitos que se perderam nos desvãos da história.
Atacar a crítica do ministro apóstata (ele foi comunista, mas se regenerou) é como isentar o motorista que dirige solitário seu veículo a diesel em vez do optar pelo transporte coletivo. Óbvio, este motorista ajuda a poluir o planeta.
Falta aparato policial repressivo inteligente? É necessário tratar dos viciados? Sim para as duas.
Nada disso, porém, anula a premissa elementar de que a sociedade optou pela hipocrisia contraditória. Quer consumir drogas, mas não quer o traficante.
O viciado (politicamente corretos, cartas para a redação) e o consumidor recreativo estão na origem do problema. Clamam pela prisão do entregador, desde que suas porções sejam garantidas.
Muito provavelmente perseverar condenando o traficante enquanto o consumidor exige o produto significará enxugar gelo. Em democracias proibir este consumo não funciona (vide o combate ao consumo de bebidas nos EUA nos idos de 1920).
Sempre haverá alguém para vender o que outrem quiser comprar.
Fernando Henrique Cardoso, que é de esquerda, mas não abdicou de raciocinar, sabe disso. Propõe a descriminalização das drogas. A proposta pode estar equivocada, mas ele não agride a lógica.
Avancemos
Por trás desta e de outras críticas repetitivas há a lógica do paternalismo. Por ela, as pessoas não são responsáveis pelas mazelas no Estado onde vivem.
Cidadãos incapazes
A lógica do paternalismo sustenta, por exemplo, que o Parlamento não representa a sociedade. O voto é livre, secreto e universal no Brasil, mas não vale se o que sai das urnas não agrada.
“O Congresso não me representa” é frase símbolo da lógica paternalista. Ou seja, se o Parlamento é “ruim” a culpa é do Parlamento.
Se é “bom”, mérito dos eleitores. No primeiro caso, as pessoas são manipuladas ou não têm discernimento. No segundo, adquiriram “consciência de classe”.
Em chuvaradas, que provocam rápidas enchentes, as autoridades lembram que os bueiros entupidos pelo lixo jogado ao léu contribuem para o acúmulo de água. A lógica paternalista corre, então, a isentar os moradores que jogam lixo em local impróprio, pois cabe ao Estado manter varrição eterna.
Da lógica na qual “o governo é o culpado de tudo e a população é sempre vítima”, brota o Estado mastodôntico. O Estado assume, então, o papel de responsável pelos irresponsáveis.
Aplicado como regra em regimes comandados pela sinistra, mas também à destra, quase sempre degenera em sistemas autoritários. Diante da incapacidade cidadã de conduzir seu próprio destino, o Estado assume progressivamente mais responsabilidades.
Daí a ojeriza à livre iniciativa e à concorrência. Se as pessoas são incapazes, cabe ao Estado tutorá-las. Lógica canhestra, mas efetiva na defesa do Estado controlador.
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Aviso aos meus 17 leitores. O escrevinhador não é responsável pelas impropriedades do texto.
* Itamar Garcez é jornalista