A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisa um processo que pode alterar como são corrigidas as dívidas civis (dívidas entre duas pessoas ou entre entidades privadas) e as indenizações em caso de atraso no pagamento (mora). O tribunal discute se os débitos atrasados devem ser corrigidos com base na taxa básica de juros (Selic) ou por um critério que soma a inflação (IPCA) a uma taxa fixa de 1% (juros de mora). A regra se aplicaria apenas quando o juros por atraso não estiver previsto no contrato.
O tema é julgado após o questionamento de como deveria ser corrigida uma indenização de R$ 20 mil, que precisará ser paga pela empresa de transportes Expresso Itamarati a uma passageira após um acidente. A indenização foi imposta pela Justiça em 2013, mas não foi paga devido à discussão sobre a correção. Contudo, a depender do que for decidido pelo tribunal, milhões de processos podem ser afetados, fazendo com que as dívidas com pagamento atrasado fiquem ainda mais caras de se pagar.
A utilização da Selic como índice para correção de dívidas civis atrasadas é apoiada pelo Banco Central do Brasil – BACEN, pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e pela Confederação Nacional das Seguradoras (CNSeg), mas a decisão terá efeitos sobre todos os litígios privados no país. No caso concreto levado a julgamento, a dívida de R$ 20 mil passaria para cerca de R$ 48 mil, se fosse aplicado o critério de IPCA + 1% a.m. – em uma correção de 144,25%. Já a correção pela Selic seria de 77,87%, levando a dívida a R$ 35,5 mil.
O julgamento está suspenso desde o dia 1º de agosto após pedido de vista do ministro Benedito Gonçalves. O placar atual está empatado em 3×3, já que quatro ministros votaram e outros dois declararam qual seriam seus posicionamentos, ainda que o entendimento deles possa mudar.
Relator defende correção de IPCA + 1%
O relator do processo, o ministro Luis Felipe Salomão, votou contra a utilização da Selic como taxa de atualização de dívidas civis. Ele argumentou que a taxa básica de juros “não é um espelho do mercado”, mas sim o principal instrumento de política monetária utilizado pela instituição no combate à inflação. Como alternativa, ele votou pela correção das dívidas pela inflação, medida pelo IPCA, somada aos juros de mora de 1% ao mês. Para ele, a aplicação da taxa fazendária a dívidas civis não constitui “diretriz peremptória incontornável” do Código Civil.
Já o Raul Araújo votou de forma contrária, defendendo que a leitura do Art. 406 do Código Civil não comporta a utilização de outra taxa que não a SELIC, que é a taxa de mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional, bem como que não há razão para se impor ao devedor, nas dívidas civis, uma elevada taxa de juros de mora capitalizada mensalmente combinada com a atualização monetária (reposição da inflação).
“A taxa Selic, no sistema de remuneração de capitais, trouxe significativa mudança no sistema financeiro nacional, impondo uma nova cultura mais hígida para a economia, justamente porque ela une a correção monetária e os juros, medida plenamente viável numa economia estabilizada, como sucede na maioria dos países que servem de modelo”, argumentou.
Raul Araújo destacou que o Código Civil – elaborado após intensas discussões sobre o assunto – não exige uma aplicação distinta de juros de mora e de correção monetária: “O Código Civil de 2002 confere um tratamento muito próximo para os juros de mora e a correção monetária, a ponto de praticamente reuni-los de forma um tanto indistinta, chegando quase a confundi-los”.