Criptomoeda é um dinheiro digital que possibilita transações comerciais mais rápidas e seguras. A tecnologia, lançada em janeiro de 2009, é motivo de debate no mercado financeiro e desperta curiosidade.
Diferentemente de moedas como dólar, euro e real, esse ativo não tem fiscalização de autoridades governamentais. Especialistas afirmam que é mais seguro que o dinheiro guardado em bancos comuns, por estar hospedado em uma rede blockchain e utilizar sistemas avançados de criptografia para proteger as transações.
O bitcoin é a primeira criptomoeda do mundo e conquistou adesão por causa da incerteza gerada pela crise financeira de 2008. Com a quebra de alguns bancos, existiu uma insegurança no sistema centralizado de controle do dinheiro por meio de instituições financeiras.
Em um fórum da internet, um usuário chamado Satoshi Nakamoto publicou que havia criado uma tecnologia nova, em que o dinheiro seria comandado sem interferência de terceiros e passaria de pessoa para pessoa.
Em fevereiro de 2021, o Bitcoin atingiu o valor histórico de US$ 43.780, equivalente a R$ 239.030 na cotação das 18h de sexta-feira (11/10). A alta veio depois de a Tesla, empresa do bilionário Elon Musk, anunciar o investimento de US$ 1,5 bilhão em criptomoedas e aceitar a moeda virtual como forma de pagamento. Um ano antes, em 7 de fevereiro de 2020, o Bitcoin custava US$ 9.980 (R$ 54.490).
No início de maio, o economista Ricardo Amorim, eleito pela revista Forbes um dos mais influentes do Brasil, publicou um artigo em que afirma que as criptomoedas vieram para ficar.
Como surgem as criptomoedas?
As criptomoedas surgem dentro da blockchain, o banco virtual desses ativos. A carteira é utilizada como cofre, mas também possui a função de criar novas unidades de moeda e mostrar estatísticas dela no período, similar a uma bolsa de valores.
As transações de uma carteira de bitcoin para outra são feitas com apenas um código, semelhante ao funcionamento das chaves aleatórias do Pix. Esse código, exclusivo de cada usuário, contém todas as informações necessárias para transferência e compra. Entretanto, não é possível saber quem é o dono da conta nem qual país está localizada.
A tecnologia utilizada na blockchain é conhecida por ser extremamente segura e difícil de ser violada. A mineração, procedimento para gerar as moedas, é feita para registrar as transações realizadas na rede e mantê-la segura de fraudes. Esse registro envolve a resolução de equações matemáticas complexas, por isso é necessária a ajuda de computadores com alta capacidade de processamento.
Quando os mineradores resolvem a equação e chegam ao número de transações realizadas na blockchain naquele momento, eles registram a solução no sistema, validam a operação e essa informação é replicada para os outros participantes da rede. Por esse trabalho, o minerador recebe uma recompensa de 6,25 unidades de bitcoin. É assim que são emitidas novas moedas.
Para fazer esse processo, os mineradores usam um “livro de regras” baseado em um documento deixado por Satoshi Nakamoto, o “WhitePaper do Bitcoin”, que define a forma que uma rede criptomoedas funciona e os motivos para a criação.
Essa operação precisa funcionar durante 24 horas todos os dias, já que a mineração é responsável por manter de pé toda a blockchain. Para que exista uma fraude no sistema, seria necessário adquirir o controle de mais de 50% da rede, o que não é possível devido à quantidade de pessoas que realizam a operação ao redor do mundo.
Quem é Satoshi Nakamoto?
O nome do fundador das criptomoedas nunca foi revelado. Satoshi Nakamoto é o nome de usuário que ele utilizava para publicar nos fóruns, mas, depois de consolidar a moeda, ele desapareceu.
Existem teorias de que não seja uma única pessoa e sim um grupo. Em 2014, a jornalista norte-americana Leah McGrath Goodman publicou uma reportagem na revista Newsweek sugerindo que Dorian Nakamoto, um homem de 64 anos que mora no Sul da Califórnia, seria o criador do bitcoin.
Dorian negou envolvimento com a moeda e o caso virou meme entre os investidores do mercado. Embora não apareça na lista oficial da Forbes, Nakamoto pode ser um dos maiores bilionários do planeta.
De acordo com estimativas, ele teria entre 750 mil e 1,1 milhão de bitcoins desde a criação. Considerando que Nakamoto nunca tenha gasto suas criptomoedas, ele possuiria uma fortuna de cerca de US$ 59 bilhões (R$ 322.120 bilhões). A fração de bitcoin é chamada de “satoshi” em homenagem ao criador.
Poluição ambiental
No dia 12 de maio, Elon Musk, bilionário CEO da Tesla, anunciou que a empresa deixará de aceitar pagamentos em bitcoin devido à preocupação com o meio ambiente. Por causa da necessidade de manutenção ininterrupta, o processo de mineração de criptomoedas é uma operação extremamente poluente. De acordo com o Cambridge Bitcoin Electricity Consumption Index (CBECI), entre abril e junho de 2021, o consumo de energia para manter o bitcoin em funcionamento cresceu quase 30%.
Um levantamento feito pela Universidade de Cambrigde, no Reino Unido, mostrou que a moeda consome mais energia que a Argentina inteira. Se fosse um país, a moeda ocuparia o 29º lugar no ranking de gasto de eletricidade. No início de 2021, a pesquisa constatou que o Bitcoin usa 80% a mais de energia do que no início de 2020.
No atual sistema de mineração, os computadores são importantes no processo de rápida validação da operação com a chamada “prova de trabalho” (proof-of-work, no termo em inglês). Essa forma de minerar não é sustentável em questão de consumo de energia e não foi pensada para isso.
Existem outras possibilidades para fazer a validação sem gastar tanta energia. O modelo mais interessante seria a prova de participação (proof-of-stake, no termo em inglês). Nesse modo, não há competição para saber quem calcula mais rápido, é possível fazer a validação por uma lógica de processamento computacional que não demanda muita energia. Porém, por ser uma tecnologia recente, nem todas as criptomoedas –como o próprio bitcoin– conseguem operar nesse sistema.
A maior parte dos mineradores de bitcoin estão concentrados na China, onde a principal matriz energética é o carvão. No começo de abril, um estudo publicado na revista Nature revelou que, pelo ritmo atual, a mineração de bitcoin no país deve emitir 130 toneladas de carbono até 2024.
Segundo Elon Musk, a Tesla não venderá nenhum bitcoin e pretende usá-los para transações assim que a mineração migrar para uma energia mais sustentável.
Manipulação do mercado
Em artigo publicado na Valor Investe, no dia 24 de maio, o colunista Marcelo Trindade especulou se Musk, com os anúncios de compra e venda da moeda, não estaria fazendo manipulação do mercado, o que também explica a queda brusca que a moeda sofreu no segundo trimestre deste ano.
Segundo Trindade, dentro do mundo financeiro, especula-se que o CEO da Tesla manipula o mercado de criptomoedas, falando mal antes de comprar e bem antes de vender. A manipulação de preços é considerada ilegal em todo o mundo e pode ser realizada de diversas maneiras.
Trindade explica que o manipulador pode comprar ou vender maciçamente um ativo, apenas para provocar variação do preço, com aumento ou queda, sem que exista um motivo economicamente justificável para fazê-lo.
Há uma outra forma de manipulação, e é dessa que Elon Musk vem sendo acusado. Nesta modalidade a manipulação começa com uma atuação fora do mercado, que repercute nas cotações e permite, então, que o manipulador realize o ganho no próprio mercado. É o caso de quem dissemina informações falsas sobre um determinado ativo, em canais como chats de investidores e redes sociais.
Uma vez obtido o resultado desejado – o aumento ou a queda da cotação –, o manipulador atua no mercado para obter a vantagem, vendendo pelo preço inflado uma posição que comprara antes, quando as cotações estavam mais baixas, ou comprando depois da queda, apostando que as cotações voltarão ao normal, diz Trindade.
Quem pode criar uma criptomoeda
“Qualquer um que tenha conhecimento consegue criar”. É o que explica Igor Rodrigues, gerente de Trading do MezaPro, do Mercado Bitcoin, uma casa de câmbio da moeda. “O WhitePaper do Bitcoin foi o primeiro ‘livro de regras’ para criação da criptomoeda, mas não é o único. Cada moeda possui o seu”.
É como se fossem aplicativos de celular. Para cada aplicativo, existem instruções de programação que possibilitam que eles operem em determinado sistema, seja iOS ou Android. Algumas coisas mudam, mas a base é a mesma. Se a pessoa possui essas explicações, consegue criar um aplicativo e colocar na rede. O mesmo se aplica à criação de moedas.
Há por volta de 5.000 criptomoedas no mercado. Rodrigues explica que, apesar do bitcoin ter uma visibilidade maior, existe outra moeda, a Yearn Finance (YTC), que é mais cara. No dia 12 de maio, ela superou o bitcoin e valorizou 23% em 24h, alcançando o valor de US$ 93.435, cerca de R$ 510.130 na cotação atual.
Como se transforma em dinheiro físico?
“A primeira transação de bitcoin conhecida foi uma compra de duas pizzas por 10.000 bitcoins. Alguém aceitou receber o pagamento em criptomoeda e assim começou a aproximação entre o dinheiro real e o virtual”, conta Rodrigues.
A moeda ganhou notoriedade e cresceu a partir de operações como essa. Atualmente, para transformá-la em dinheiro físico, utilizam-se as exchanges, casas de câmbio que fazem a ponte entre quem quer comprar e quem deseja vender o criptoativo. No Brasil, a primeira exchange foi o Mercado Bitcoin, fundada em 2011.
Rodrigues explica que a adesão e a valorização das criptomoedas depende do interesse de uma comunidade por ela. Além disso, há a questão da escassez. A moeda só se valoriza por ser algo raro com quantidade definida. Por esse motivo, o bitcoin é considerado o ouro digital.
Satoshi Nakamoto definiu que existem 21 milhões de unidades de bitcoin. Ao longo do tempo, a quantidade de moedas emitidas para mineração será cada vez menor, até chegar a última.
Por que valem tanto?
Como a oferta de moedas do bitcoin já é conhecida, o que vai dar preço a esse ativo é a demanda. “Do final do ano passado para este ano, empresas norte-americanas começaram a colocar parte do caixa da tesouraria em bitcoin, isso aumenta o interesse, gera uma demanda maior, causando o efeito de valorização”, diz Rodrigues. Em 2020, o preço do bitcoin teve alta de 400%.
A previsão para o período de emissão do bitcoin encerrar é até 2140. Mas, no caso de outras moedas, a oferta pode ser feita de outra forma. Cada uma tem um modo, existem as que têm emissão anual outras semestrais, e assim por diante.
“Diferente de uma empresa que, quando vamos investir, tem um relatório com as características para ver se ela tem fundamento, lucro, a criptomoeda tem o valor unicamente determinado por um mecanismo de oferta e demanda”, explica o professor Marcelo Botelho da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FEA-RP/USP).
Se existem mais pessoas comprando do que vendendo, o preço da moeda sobe, mas, se existem mais interessados em vender, ele cai. “Por isso que ela tem uma volatilidade tão grande. Se observar o gráfico dela nos últimos anos, percebe-se que tem vários períodos de queda brusca e depois de recuperação lenta”.
Bolha
No dia 19 de julho, o bitcoin teve a maior queda do ano até agora. A moeda chegou a ser negociada por US$ 29.000 (R$ 158.330). A recuperação veio no dia 21 de julho, quando a criptomoeda reconquistou a confiança dos investidores e voltou a ser negociada por US$ 31.518 (R$ 172.080), embora o valor seja menos da metade de seu recorde de preço de US$ 64,9 mil (R$ 354.330), registrado em abril.
A volatilidade voltou a levantar especulações de que os ativos digitais são uma bomba-relógio com data para explodir. Associação natural, segundo Igor Rodrigues. “A tecnologia existe há 13 anos. Quem estuda profundamente os conceitos da moeda e o desenvolvimento dela acaba entendendo que não é isso, tem todo um fundamento do porquê dessa valorização”, afirma.
O segredo é a paciência, já que não é recomendado investir esperando retorno a curto prazo. Segundo Rodrigues, quem faz isso está assumindo um risco grande por causa da oscilação do bitcoin. “Se olharem o gráfico ao longo dos anos, pensam que a moeda só valorizou, o que não é verdade. Existe uma desvalorização em alguns dias e períodos”.
Marcelo Botelho afirma que a volatilidade por si só não caracteriza uma bolha. É um indicativo de que as moedas têm uma oscilação de cotações muito mais alta do que outros ativos que existem no mercado, como ouro, dólar e investimento em ações, o que pode representar não só uma oportunidade, mas também um risco.
Ele afirma que uma bolha estoura quando há descrédito do mercado, algo que avalia não acontecer com as criptomoedas. “É provável que existam quedas expressivas e correções no preço, mas por questões de mercado”.
É seguro investir?
O palpite do bilionário Tim Draper, em entrevista para o podcast “Unstoppable”, é que a Netflix pode ser a próxima empresa a comprar bitcoin, o que obrigaria a Amazon a aceitar a moeda como meio de pagamento para continuar competitiva no mercado.
A chegada de investidores como a Amazon e a Tesla trazem mais credibilidade para as criptomoedas, mas, antes de comprar, é preciso entender como esse sistema funciona para evitar cair em fraudes.
Botelho alerta que a insegurança não é causada pelas criptomoedas e sim pela forma de investimento. “Acompanhamos muitos casos de corretoras que existem só na internet, oportunidades de investimento que são vendidas como forma de rentabilidade garantida, coisa que não existe!”.
Para Rodrigues, a melhor forma de investir é estudar o ativo. “É difícil você olhar para o valor unitário de cada moeda, até porque é possível comprar frações dela, não precisa comprar uma inteira”.
O futuro das criptomoedas
A forma de transacionar criptomoedas dentro da blockchain, com envio imediato para qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo, foi inspiração para o Pix.
“E isso não é uma inspiração exclusiva do Brasil, temos coisas semelhantes ao Pix funcionando na Austrália. Na Inglaterra está em processo de implantação e nos Estados Unidos estão desenvolvendo”, diz Botelho.
A tecnologia dos criptoativos pode inspirar outros avanços na forma de relacionamento com o dinheiro, como a digitalização, com moedas de vários países migrando para o meio virtual.
“Hoje é muito mais fácil trabalhar com o Pix, cartão de crédito e débito do que com o dinheiro físico. E no futuro iremos chegar a uma total virtualização”, afirma o professor da USP. “A tecnologia blockchain, por ser muito segura, vai ser o mecanismo por trás dessa operação”.
O professor também aposta que os países vão criar sua própria criptomoeda. El Salvador entrou para a história como o primeiro país a adotar o bitcoin como moeda legal. O presidente, Nayib Bukele, disse acreditar que a moeda pode ajudar a impulsionar investimentos.
Desde 7 de setembro, data que marcou o início da utilização da moeda, vários estabelecimentos aceitam o criptoativo como método de pagamento e a moeda digital pode ser comprada por meio de caixas eletrônicos.
Dados do governo mostram uma adesão de 3 milhões de pessoas a Chivo, carteira digital oferecida pelo governo. O número representa cerca de metade da população, formada por 6,486 milhões de habitantes de acordo com o índice populacional de 2020. Segundo a Fundação Salvadorenha para o Desenvolvimento Econômico e Social, 12% dos consumidores já usaram a criptomoeda.
Em junho, o Banco Central do Brasil anunciou que que tem previsão de lançamento de uma moeda digital brasileira como uma extensão da física. Apesar de não haver, ainda, uma definição clara de como o ‘real digital’ funcionará, a expectativa do mercado é que ele funcione como a moeda física, mas só exista em um ambiente virtual.