Busca por dados estimula guerra silenciosa entre EUA e China

Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Enquanto o Brasil ainda não desenvolveu a cultura de investimento em inovação, educação e proteção de dados, como também em mecanismos de monitoramento do que outros países fazem nessa área, a grande disputa travada entre Estados Unidos e China, fora do foco da mídia acontece no campo da obtenção, controle e manuseio de dados.

Em diversas situações, os Estados Unidos acusaram a China de orquestrar roubo de dados (informações pessoais) de milhões de americanos em operações cibernéticas cinematográficas: 145 milhões de dados da agência de crédito Equifax, 400 milhões de dados da rede hoteleira Marriott, 78 milhões do provedor de seguros de saúde Anthem.

Essas informações alimentam não apenas os serviços de inteligência do país que os obteve, mas servem de combustível para a sofisticação no desenvolvimento de sistemas de Computação Quântica e Inteligência Artificial, entre outras áreas.

Naturalmente, a China nega qualquer ataque cibernético a essas empresas ou organizações. No entanto, existe um interesse claro e comprovado em obter essas informações.

A capacidade de superprocessamento que a computação quântica oferece possibilitaria que a China tivesse um profundo conhecimento de informações críticas de milhões de americanos, incluindo seus endividamentos, ganhos, patrimônios. Em eventuais ataques a redes sociais, o agressor pode obter dados ainda mais pessoais, como senhas, conexões de amizades etc.

Dados não são apenas coletados por meio de ações de hackers. Na maioria das vezes, os usuários de redes sociais e e-commerce, fornecem nossos dados voluntariamente sem nos preocupar com a forma que uma empresa os utilizará. Os EUA acreditam que mesmo em aplicativos mais singelos, como o Tik Tok, por exemplo, o governo chinês possui a capacidade e o interesse em coletar dados.

A China argumenta que, mesmo podendo, não o faz e ressalta que, da mesma forma que pode coletar dados, os EUA também possuem capacidade e interesse. Uma importante diferença, na visão de alguns especialistas na área, é a integração de empresas chinesas ao controle do partido, enquanto nos EUA muitas conseguem manter um grau de independência de eventuais intervenções estatais.

Independente de todas essas possibilidades, nenhuma supera uma diretamente ligada à manutenção da máquina econômica chinesa: a propriedade intelectual. Tendo a inovação como foco estatal, a China tornou-se nos últimos anos uma potência em inovação tecnológica nas mais diversas áreas. Grande parte desse poder deve-se ao processo descentralizado de estímulo à inovação tecnológica.

A ausência de um parâmetro legal de propriedade intelectual faz com que o Partido Comunista Chinês tenha o poder de distribuir inovações tecnológicas entre vários centros de pesquisa, gerando variações e vertentes numa velocidade difícil de ocorrer nos Estados Unidos. Tudo isso barateia o processo, levando a China a “produzir” inovações mais rapidamente com qualidade semelhante às de empresas americanas e europeias, porém com um custo muito menor.

Dados oferecem não somente acesso a informações que servem de gatilho para a coleta de ideias e esboços de projetos sofisticados, como também de informações que possibilitam uma leitura precisa do consumidor (num nível individualizado). Como resultado, a produção de qualquer coisa pode ser pensada e oferecida com um grau de detalhamento incomparável.

O governo chinês investiu bilhões em um moderno centro de pesquisa de computação quântica visando atingir uma liderança na área até o ano de 2030.Um nome que devemos ter em mente é o nome de Chen Gang, a mente por trás da elaboração e modernização do parque industrial/tecnológico chines.

Sua reputação cresceu tanto com o presidente Xi Jinping que Chen deverá ingressar no Politburo do PCC em 2027. Ele liderou o hub Zhongguancun de tecnologia avançada de Pequim, sendo visto como um dos pilares centrais do processo de ampliação de centros de inovação.

Já os EUA dependem de investimentos privados de empresas como Microsoft, IBM, Google e Amazon. Por se tratar de uma tecnologia nova e complexa, a China vem focando em comunicações quânticas (tendo liderança nessa área em cima dos EUA), enquanto os americanos lideram a corrida na computação quântica.

O ex-presidente Donald Trump montou o Comitê Nacional de Assessoria em Iniciativa Quântica, com 22 membros, para observar as ameaças chinesas no desenvolvimento quântico e focar em áreas específicas que poderiam neutralizar os avanços chineses no futuro.

No campo da comunicação, a China conseguiu desenvolver uma tecnologia fabulosa via partículas de informação entre satélites e bases no solo. A interceptação desse tipo de comunicação é virtualmente impossível no momento. O desenvolvimento de um “radar quântico”, em fase final de produção possibilita que a China monitore aeronaves militares americanas “invisíveis”, tornando obsoleto aviões imunes a radares convencionais. O mesmo ocorre para detecção de submarinos. Para tudo isso, a coleta de dados, dos mais simples (rede de amizade de um determinado cientista, seus hábitos) ou mais complexos (volume de investimentos específicos de um órgão americano para um centro de pesquisa), além de informações gerais de cidadãos comuns (rostos, impressões digitais etc.), ajuda no desenvolvimento do reconhecimento facial quântico.

O governo chinês aprovou recentemente uma lei que limita a coleta de dados de empresas privadas do país, argumentando que a sociedade precisa de transparência em relação ao manuseio de seus dados pessoais. Por outro lado, poderá manter seu acesso a esses mesmos dados por questões de segurança nacional. A subjetividade do termo vem a calhar, pois segurança nacional é uma questão interpretativa.

As recentes ações do governo chinês contra empresas de tecnologia que almejam ingressar na Bolsa de NY revelam algumas estratégias importantes que Pequim tem em mente. A transnacionalidade de empresas de tecnologia (principalmente de software) oferece um risco novo ao PCC que não existe em relação às empresas de bens manufaturados. A ausência de fronteiras em serviços virtuais fora da China prejudica o acesso do governo a determinadas informações, pois essas empresas estariam amarradas a leis de proteção de dados locais. Ao mesmo tempo, uma vez que uma empresa chinesa se junta à Bolsa de NY, as regras exigidas pela SEC iriam se sobrepor a regulações chinesas em vários pontos.

Isso desinfla o poder de Pequim em cima dessas empresas, ao mesmo tempo em que fortalece um dos símbolos do capitalismo americano. Tendo como objetivo o fortalecimento das Bolsas de Xangai e Hong Kong, Xi Jinping busca não só reter empresas estratégicas dentro de seus regulamentos e, de lambuja, atrair investidores para bolsas chinesas que abrigariam cada vez mais empresas chinesas de tecnologia.

Pequim teme que empresas gigantes chinesas, que lidam com centenas de milhões de dados diariamente, poderiam consolidar um poder cada vez mais independente em relação ao partido. A Tencent, por exemplo, estabelecida em território alemão como uma empresa local, coletaria milhões de dados que não chegariam, necessariamente, a Pequim e aos centros de desenvolvimento quântico em Pequim, Xangai e Wuhan.

Essa disputa é travada em silêncio, longe do interesse de grande parte da imprensa por ser complexa, sem glamour e sem o impacto visual que outros tipos de conflitos geram. De qualquer forma, o futuro das relações EUA – China será de acirramento nessa competição.

 


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