O que é o “bolsonarismo”? Numa rápida definição, pode-se afirmar que se trata de uma força política identificada com a direita, espectro da política nacional que tem em Jair Bolsonaro hoje sua principal liderança, porém ideologicamente maior que o presidente da República. Entretanto, tal definição não explicita a real complexidade desse fenômeno. Uma conceituação mais ampla requer inicialmente compreender o contexto em que surge. O bolsonarismo nasce e se desenvolve em dois momentos: um eleitoral e outro pós-eleição.
Sem discorrer sobre o processo de construção da candidatura presidencial nos anos anteriores e tomando como ponto de partida a eleição de 2018, o sucesso de Bolsonaro nas urnas foi fruto de uma conjunção de fatores. Entre os principais, estão a derrocada do grupo político que comandava o País (PT e aliados), que culminou com o desgaste da esquerda; crise econômica e política devido ao esgotamento da governabilidade da ex-presidente Dilma Rousseff; clamor popular pelo combate à corrupção, impulsionado pela Operação Lava-Jato e seus desdobramentos; demanda de setores por uma política econômica liberal; discurso de fortalecimento da segurança pública com endurecimento da legislação penal; e apelo por uma visão mais conservadora nos valores. Enfim, um modelo político que se opunha não só à prática desempenhada pelo PT, mas ao sistema político de tendência social-democrata de todos os governos anteriores, desde a redemocratização do país, o que se convencionou chamar ultimamente de “velha política”.
Jair Bolsonaro foi assimilado pelo eleitorado que queria mudança como o nome mais identificado com essa ampla pauta. Desse conjunto de anseios populares agrupados em torno dele criou-se a base eleitoral do bolsonarismo, que reuniu amplo espectro ideológico, agregando desde parcelas da centro-esquerda à extrema-direita.
Passada a eleição e cumprida uma das principais demandas do momento, o fim do modelo político anterior, com o andamento do governo, a base eleitoral do presidente perdeu alguns estratos mais ao centro do espectro político e a parte remanescente passou a constituir a base social do bolsonarismo. Essa é composta basicamente pelos seguintes núcleos: um baseado no “mito”, integrado pelos devotos à figura de Jair Bolsonaro e que admiram os militares; um econômico, no qual se enquadram representantes do mercado financeiro e segmentos empresariais do setor produtivo; um lavajatista, apoiadores do ativismo judicial contra a corrupção, entronizado pela figura do ministro da Justiça Sérgio Moro; e por fim o núcleo conservador, o mais ideológico e fiel ao presidente.
Este último, também conhecido como “bolsonarismo raiz”, é o mais consistente. Ao contrário dos demais, não está sujeito ao sucesso do governo para se manter ao lado do presidente. É caracterizado por um fundamentalismo religioso e pela cruzada ideológica contra o esquerdismo mundial. Uma de suas principais bandeiras é o combate ao globalismo, assimilado como fenômeno antinacionalista, que visa promover um alinhamento internacional de forma a exterminar as tradições dos povos nativos e as culturas nacionais. Sustentam que essa ordem mundial tende a abolir a identidade cultural das nações impondo uma única linha de pensamento global.
Esse núcleo conservador possui um projeto de poder que visa à chamada revolução cultural, expurgando da vida política e social todos os traços esquerdistas. Na concepção de seus integrantes, várias instituições, como as universidades, a mídia e a burocracia estatal estão impregnadas pelo marxismo.
Dentro e fora do governo, esse grupo ideológico tenta acelerar a dita mudança, combatendo os bolsonaristas moderados e instando o presidente a implementar uma agenda conservadora mais radical. Com forte engajamento nas redes sociais, atuam para fazer prevalecer sua visão de mundo no interior da base social do bolsonarismo.
O grande influenciador dessa corrente é o ideólogo Olavo de Carvalho, que lidera os segmentos mais eriçados e militantes do governo. Com grande contingente de seguidores ativos nas redes sociais, ele tem número considerável de correligionários em postos estratégicos no governo Bolsonaro. Os mais destacados são, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo; o jovem assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, Felipe Martins; e o ministro da Educação, Abraham Weintraub. Entretanto, há adeptos da corrente em diversas outras áreas, como nas igrejas; no mercado financeiro; na mídia; no Parlamento, onde o principal expoente é o deputado Eduardo Bolsonaro (SP), filho do presidente; e possivelmente poderá vir a ter representante na mais alta Corte de Justiça do País.
Até então, a chamada “ala ideológica” do governo, braço do movimento instalado na administração federal, vem ganhando todas as disputas no interior do governo. Bateu de frente com ministros palacianos civis e militares moderados ou que flertam com uma visão mais progressista.
Por esse perfil, pode-se afirmar que o movimento não se esgota com o governo Bolsonaro. O projeto ambiciona um ciclo de poder mais longevo, de forma a efetivar a agenda conservadora no País. Trata-se de movimento organizado erigido sob uma base teórica, ainda que questionável, tem pensamento estratégico, possui método e tem na comunicação sua principal arma. A manutenção do poder para esse agrupamento que ascendeu ao poder é uma meta e Jair Bolsonaro apenas uma etapa desse projeto.