Tropeços diplomáticos

Há tempos a diplomacia brasileira não vive bons momentos. Dentro do Itamaraty, persiste um clima de cizânia que vem desde o início do século. Nos tempos de Bolsonaro, padecemos com a gestão confusa de Ernesto Araújo, que, em seus delírios, propôs uma aliança cristã com os Estados Unidos e a Rússia. Criticou, ainda, o globalismo e afirmou que “fascismo e nazismo são fenômenos de esquerda”.

No ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva realizou uma série de viagens internacionais, visitando 24 países em todos os continentes, exceto a Oceania. Enquanto conseguiu reposicionar a diplomacia brasileira no cenário global após o turbulento período bolsonarista, também acumulou declarações controversas e discursos ambíguos, que geraram desgastes tanto nas relações internacionais quanto no plano doméstico.

Mais recentemente, tivemos erros e acertos que caracterizam tempos de tropeços e sinais confusos. O Brasil tem sido leniente com o Hamas, que é um grupo terrorista, em sua cruzada contra Israel, assim como foi com a Venezuela em sua marcha rumo a uma ditadura populista. Ao mesmo tempo, adotou medidas pragmáticas e coerentes com nossa tradição ao criticar a perseguição aos bispos católicos na Nicarágua, governo sandinista que guarda algumas semelhanças ideológicas com o petismo.

No entanto, tanto no bolsonarismo quanto no lulismo vimos as políticas ideológicas contaminando as políticas de Estado. Quando as políticas de governo interferem nas políticas de Estado, diversos efeitos negativos podem comprometer a estabilidade, a eficiência e a continuidade das ações de um país. A situação é ainda agravada pelo fato inédito de que a Associação e Sindicato dos Diplomatas Brasileiros (ADB) aprovou, pela primeira vez na história da entidade, um indicativo de greve, devido a questões salariais e de carreira. Seria vergonhoso para o país termos uma greve de diplomatas às vésperas da Cúpula do G20.

Como abordei em minha coluna passada, os sinais dos tempos não são bons. O mundo está sendo desafiado pela profusão de conflitos e potenciais confrontos que se anunciam. Nossa diplomacia ajudou o Brasil a navegar por três guerras de dimensões imensas no século passado: as duas guerras mundiais e a Guerra Fria, entre Estados Unidos e União Soviética.

O pragmatismo sempre esteve no cerne da diplomacia brasileira, pautando-se por uma postura equilibrada e focada na obtenção de resultados que atendam aos interesses nacionais. Essa abordagem, ao longo da história, permitiu ao Brasil manter relações diplomáticas construtivas com países de diferentes orientações ideológicas e econômicas, priorizando o diálogo, a cooperação mútua e o respeito à soberania dos Estados.

É nesse pragmatismo que devemos ancorar nossas agendas internacionais, buscando consolidar o Brasil como um ator relevante no cenário global. O pragmatismo diplomático, no entanto, exige também a capacidade de adaptação às dinâmicas globais em constante transformação, sem jamais perder de vista os princípios fundamentais que regem nossa política externa: a defesa da paz, o respeito à soberania dos povos e a promoção dos direitos humanos.

Publicado em VEJA de 16 de agosto de 2024, edição nº 2906

Leia mais em: https://veja.abril.com.br/coluna/murillo-de-aragao/tropecos-diplomaticos/

 

Postagens relacionadas

Novo Estatuto Da Segurança Privada: Modernização e Desafios no Setor – Artigo

Preocupantes sinais dos tempos

Reforma Tributária: Câmara faz esforço concentrado para votar regulamentação do Comitê Gestor

Usamos cookies para aprimorar sua experiência de navegação. Ao clicar em "Aceitar", você concorda com o uso de cookies. Saiba mais